Ilustração: Isabele Linhares
2012
O
olho de íris azul está ligeiramente úmido. Refletidos na pupila, flashes de luz
indistinguíveis. A esclera, em intervalos irregulares, ora para a direita, ora
para a esquerda, sutilmente. A expressão de seus olhos, quando vista em
conjunto, revela uma pequena tensão dos supercílios em sentido inferior. Porém,
há uma sutil elevação do sulco palpebral superior. É um garoto.
Sentado em uma cadeira
giratória, em frente ao computador, o tronco virado para a direita. Seus ombros
estão relaxados, prostrados para frente. Sua respiração é regular.
Ele assiste à Turma do Jan-Jan, um programa que passa
diversos desenhos ao longo da tarde, intercalados por gags provocadas pela convivência entre bonecos (e apresentadores)
de naturezas, formas e tamanhos variados.
A sala é predominada
pelo tom marrom. Carpete, cortinas e dois sofás de couro de mesma cor. Uma
mulher loira, vestida com jeans, jaqueta marrom e bandana vermelha com motivos
indecifráveis, entra pela porta ao lado da mesa do computador. As paredes são
brancas. Um telefone toca.
Alô...
O
menino vira-se lentamente para o computador. Sua boca está entreaberta. Quando
faz isso, uma de suas mãos está sobre o teclado. Na tela, um jogo chamado
Cavaleiros de Grumma, cujo objetivo é digitar rapidamente as palavras que
surgem no menu direito inferior. O conteúdo, em si, é que uma horda de
“pilhadores” Yin-Ramat tenta “invadir” a fortaleza dos cavaleiros Grumma. Cada
palavra digitada no tempo certo vale uma “derrota” de um dos vilões. Uma
palavra digitada em tempo mais do que “certo” vale um combo especial de
“derrota”.
Mas não tem como, amiga...
hm. O Marcos sai lá pelas seis...ah, tá! Ahahahha...sei...mas com que eu vou
deixar o piá? Ãh? Ahahahah...
Ele
olha novamente para a TV. Logo depois, para a mãe.
Tá. Tá, eu sei. Eu vou
tentar uma coisa aqui, tá bom? Já te ligo. Vou ver com o Marcos também...tá
bom. Hm. Beijo. Ah! Ahahahah...tchau!
É
rapidamente vestido pela mãe. Os olhos dela são bonitos e lembram um catavento
marrom. Na porta do vizinho, ela se remexe inquieta. É pega de surpresa em um
momento em que olhava para o corredor do andar.
-
Oi...oi! Tudo bem? Olha, bem rapidinho, o senhor já fez algumas calças pro meu
marido, ce lembra de mim, né?
Ele
abre um sorriso. Tem um declive no orbicular da boca.
-
Olha, eu tenho de dar uma saída urgente, surgiu do nada, sabe? – ela sorri. –
Eu...eu gostaria de saber se poderia deixar o garoto com você. Até umas oito e
meia, por aí, sabe?
Ele
olha para o garoto. Este, de mãos dadas à mãe, retribui o olhar, não sem um esforço
para levantar o máximo que pode o queixo. Com esse movimento, os cabelos lhe
caem sobre os olhos.
-
Não terá problema, Senhora. Eu estou sem nenhuma encomenda. Digo, urgente.
Apenas a finalização do corte de uma calça, mas é pra segunda só.
-
Por que ele corta calças, mãe?
Ambos
sorriem. Sua mão cai sobre o batente da porta e lá permanece. A outra sustenta
o peso do quadril. Por um momento, olha novamente para o garoto. O supraorbital
inclina-se para baixo. Volta um sorriso para ela.
-
Ai, meu filho, ele é alfaiate. Ele faz roupas para as pessoas.
-
Eu sei fazer roupas. – ele levanta mais o queixo e infla as bochechas, fazendo
um bico com os lábios e balançando a cabeça e as pernas.
-
Certamente que sabe.
Isabele Linhares
Seu portfolio online: isabelelinhares.daportfolio.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário