17 de abr. de 2012

Tio Alfredo odeia comunista

Texto: Daniel Gonçalves
Ilustração: Danilo Oliveira


Alfredo é o nome desse tio esquizofrênico, que acabei de visitar na ala psiquiátrica do hospital. O irmão mais novo de minha mãe. Recordo-me de quando eu tinha nove anos e peguei o machado do opa para matar o gato do vizinho:
– Oh! Nuno, não machuca o bichano, é maldade! – Apareceu ele me repreendendo.
– Ah! Tio Fredo, você não sabe que esse gato é comunista?
– Comunista?
– É! E você sabe que comunista conjura com o demo, não sabe?
– Comunista? - Tio Alfredo tomou o machado da minha mão e trucidou o gato.
– Tio, você é um herói! Agora precisamos nos livrar dos vestígios, jogar o corpo lá no rio. Se não fizermos isso, um exército de comunas virá atrás de nós!

            Em outra ocasião, flagrei um moleque roubando frutas de nosso pomar. Sorrateiramente, chamei o tio Fredo e denunciei o rapazote:
- Olha lá, Tio, um comunista roubando nossa comida, pode isso? – O tio Fredo foi até o paiol e voltou com um facão em punho; passos firmes e silenciosos em direção ao surrupiador de ameixas. Quando o garoto percebeu, já era tarde; pulou da árvore e torceu o tornozelo; esboçou uma fuga, mas foi golpeado no ombro, depois nas costas, no pescoço – retalhado por completo e despojado no rio.

            Tio Alfredo foi um grande aliado contra os “comunas”, seu entusiasmo me contagiava, devo admitir. Convenientemente, a violência do rio levava todo crédito pelos invariáveis desaparecimentos.

Cinco anos atrás, estava eu espionando minha irmã mais velha com o noivo, em plena intimidade no banco de trás do carro. Dei a volta pelos fundos da casa e espreitei até a lateral do veículo, para enxergar melhor o que faziam. Acontece que João, o noivo, me viu; alcançou-me, antes que eu entrasse na casa, e começou a me surrar. Tio Alfredo apareceu assutado:
– Pára, João! Vai machucar o menino Nuno!
­– Tio Fredo, descobri que o João é comunista! – Pow! Uma sarrafada na nuca, outra na têmpora. Olga chegou para acudir, mas seu noivo morreu ali mesmo.

            O tio Fredo foi para o confinamento no hospital. Apesar do flagrante, sua mente suscetível e o fato de estar defendendo seu sobrinho, atenuaram o julgamento. As famílias também se conformaram – uma fatalidade.


Daniel Gonçalves
Radicado em Curitiba, casado com Amarilis e pai de Leon, Layla e Alice. Teve toda sua vida permeada pela paixão à literatura, artes visuais e música.  Atual editor da revista LODO e co-editor da revista LAMA.
Paralelamente aos trabalhos artísticos, desenvolve projetos de arquitetura e design. 
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.danielgoncalves.art.br.  

Danilo Oliveira
28 anos, trabalha como artista visual e editor. Co-fundador do coletivo Base-V. 
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.flickr.com/danilobasev e participa também do coletivo http://multiplogaleria.com.


3 comentários: