Ilustração: Danilo Oliveira
Alfredo é o nome desse tio
esquizofrênico, que acabei de visitar na ala psiquiátrica do hospital. O irmão
mais novo de minha mãe. Recordo-me de quando eu tinha nove anos e peguei o
machado do opa para matar o gato do
vizinho:
– Oh! Nuno, não machuca o bichano, é maldade! – Apareceu ele
me repreendendo.
– Ah! Tio Fredo, você não sabe que esse gato é comunista?
– Comunista?
– É! E você sabe que comunista conjura com o demo, não sabe?
– Comunista? - Tio Alfredo tomou o machado da minha mão e
trucidou o gato.
– Tio, você é um herói! Agora precisamos nos livrar dos
vestígios, jogar o corpo lá no rio. Se não fizermos isso, um exército de comunas
virá atrás de nós!
Em outra
ocasião, flagrei um moleque roubando frutas de nosso pomar. Sorrateiramente, chamei
o tio Fredo e denunciei o rapazote:
- Olha lá, Tio, um comunista roubando nossa comida, pode
isso? – O tio Fredo foi até o paiol e voltou com um facão em punho; passos
firmes e silenciosos em direção ao surrupiador de ameixas. Quando o garoto
percebeu, já era tarde; pulou da árvore e torceu o tornozelo; esboçou uma fuga,
mas foi golpeado no ombro, depois nas costas, no pescoço – retalhado por
completo e despojado no rio.
Tio Alfredo
foi um grande aliado contra os “comunas”, seu entusiasmo me contagiava, devo
admitir. Convenientemente, a violência do rio levava todo crédito pelos
invariáveis desaparecimentos.
Cinco anos atrás, estava eu
espionando minha irmã mais velha com o noivo, em plena intimidade no banco de
trás do carro. Dei a volta pelos fundos da casa e espreitei até a lateral do
veículo, para enxergar melhor o que faziam. Acontece que João, o noivo, me viu;
alcançou-me, antes que eu entrasse na casa, e começou a me surrar. Tio Alfredo
apareceu assutado:
– Pára, João! Vai machucar o menino Nuno!
– Tio Fredo, descobri que o João é comunista! – Pow! Uma
sarrafada na nuca, outra na têmpora. Olga chegou para acudir, mas seu noivo morreu
ali mesmo.
O tio Fredo
foi para o confinamento no hospital. Apesar do flagrante, sua mente suscetível
e o fato de estar defendendo seu sobrinho, atenuaram o julgamento. As famílias
também se conformaram – uma fatalidade.
Daniel Gonçalves
Radicado em Curitiba, casado com Amarilis e pai de Leon, Layla e Alice. Teve toda sua vida permeada pela paixão à literatura, artes visuais e música. Atual editor da revista LODO e co-editor da revista LAMA.
Paralelamente aos trabalhos artísticos, desenvolve projetos de arquitetura e design.
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.danielgoncalves.art.br.
Danilo Oliveira
28 anos, trabalha como artista visual e editor. Co-fundador do coletivo Base-V.
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.flickr.com/danilobasev e participa também do coletivo http://multiplogaleria.com.
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.flickr.com/danilobasev e participa também do coletivo http://multiplogaleria.com.
Queria ter um tio assim!!!
ResponderExcluirFoi inspirado numa história real?
ResponderExcluirHistória real, não. Personagens reais, possivelmente.
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