30 de jul. de 2015

A Maldição da Mula

Conto: Maurício Fregonesi Falleiros
Ilustração: Sheilla Liz



A batida veio do sótão. Ele não deu a mínima. Outra batida. Continuou imóvel. A terceira batida o deixou puto da vida. A quarta fez o homem levantar do sofá. 
Parou em frente a porta do sótão. Ouviu outra batida – “Puta que o pariu.” Chutou a porta para abri-la. Foi o suficiente. Era conhecido como Rob “La Mula” Romero nos antigos campeonatos locais de lucha libre.
Procurou o interruptor. A luz se acendeu antes que sua mão encontrasse o botão – “Mas que porra é essa?” 
Mais uma batida. Vinha de uma caixa de madeira. Pegou o pé de cabra encostado na parede. Bateu seis vezes com o pedaço de ferro no cadeado. Com a mão esquerda levantou a tampa. Dentro, apenas o uniforme cor de chumbo de La Mula. 
Sentiu uma mão pesada pousar no ombro. Desvencilhou. Desferiu nove ou dez golpes com o pé de cabra em direção àquele – ou àquilo – que o tocou. Não sentiu impacto algum nem ouviu qualquer ruído – “Maldita erva barata.”
“Você sabe que não pode me tocar, Rob.” 
Romero soltou o pé de cabra – “Você deve estar muito na seca pra me procurar depois desse tempo todo. Faz o quê, quatro anos desde a última vez?”
“Cinco. E eu não sou de deixar dívida pra trás.”
“Já deve ter achado alguém pra ocupar meu lugar.”
“Quem tem que achar esse alguém é você. Vamos acabar logo com isso, Rob. Você sabe que não sou exigente, qualquer uma serve. Inclusive a sua.”
“A minha não vale muita coisa, mas não estou em condições de barganhar agora.”
“Acho que algumas coisas do passado terão que ser desfeitas, então...”
“Não. Isso, não. Eu vou conseguir o que você quer.”
“Rápido, por favor. Não é algo fácil, eu entendo, mas já está ficando chato. A sua ou a de alguém que você me encaminhar, tanto faz. Mas tem que ser rápido.”
Nova batida. Essa veio da porta da frente. Conchita chegara para a faxina semanal.
“Soou o gongo, La Mula...”


2 de jul. de 2015

Barba ruiva

Conto: Diego Fortes
Ilustração: Francisco Gusso


Estou de pé. No sótão da casa. Minha casa? Sim, minha casa. Não tenho dúvida... Estou de pé no sótão fazendo o quê? Estou em minha cama. Ouço barulhos. Estalos que vêm de cima. Pantufas. Há um vulto na sombra. É um manequim. Não é um manequim! Está se mexendo! Faz sol. Estou no quintal. De pé. Vejo alguém que me olha da rua. Barba ruiva volumosa. Estou na rua. De pé. Vejo alguém que corta grama. É noite. Uma claraboia sem tranca. Múltiplos cortes. Sangro. Ele. Não sou eu quem sangra. De pé. Com uma faca vermelha na mão. A barba molhada. Não. Esta não é minha casa! Aconteceu de novo.