Ilustração: Isabele Linhares
"Não há culpados. O que há são desgraçados."
- Shakespeare
"O
demônio pode citar as Escrituras para justificar seus fins."
- Idem
1964
Ele
é um menino franzino e pálido. Corpo marcado por feridas decorrentes de
trabalho rústico ao ar livre. Shorts vermelhos com listras brancas nas
laterais, imitação da Adidas. Pés sujos. Está sentado sobre um degrau de
cimento que há um dia secou. Ele mesmo fizera. O sol se pôe. Grilos. Língua na
boca, ele pega uma pedra do cascalho que faz o caminho até os fundos da casa,
tenta acertar um sapo que surgiu junto com a noite. Os olhos.
- Pula, sapo. Pula.
Nenhuma pedra acerta.
23:45
– 1997
Este
homem mora no Tijucas. Apartamento espaçoso e confortável. Pouca luz. Raramente
sai de casa, à exceção das necessidades mais básicas. Não humanoide de estatura
exatamente gorda, mas sim “robusta”, mede quase dois metros de altura. Tem os
ombros pendentes, um tanto mais para a direita. Possui uma grande papada e seus
cabelos são muito ralos no topo, enquanto que abundantes (e desalinhados) nas
têmporas. Olhar vago, porém firme e estático, quando em contato visual.
Sai
pelo lado norte do edifício. Na Trav. Nestor de Castro, levanta a gola do
casaco de lã marrom. Olha para os dois lados da rua. Perto da continuação da
José Bonifácio, é abordado por dois rapazes com moletons de capuz. No trajeto
de volta, ele erra o caminho.
03:25 – 2001
É
uma sala ampla. Tacos de madeira. Ele está pelado sobre o sofá de dois-lugares.
Região entre o meio de seu abdômen e os pelos pubianos proeminente. Mas não nos
lados. Ele vê o DVD de Como se faz o
amanhã, estrelado por Richard Burton e Ava Gardner.
Os cristãos e os bons samaritanos sempre
elevaram a questão “quanto você pode perdoar” a um patamar de irrepreensível
moralidade, Rose...
Sua respiração
acelera levemente. Sobre um espelho, ele pega um canudo e percorre o nariz.
Eles não podem compreender, meu
amor...
O quê, Rose?
Ele serra os
dentes e o rosto treme. Calafrio. Percebe seu pênis por um momento, mas logo
sua respiração eleva o abdômen. A sensação de enxergar apenas um pouco do que
representa o perturba.
...que a verdadeira virtude heroica
é o homem conseguir perdoar a si mesmo.
Suas mãos
passeiam sobre o corpo, lentamente. Seus lábios estão entreabertos e úmidos por
saliva discreta.
Sim, Rose. Um homem de verdadeira ética
seria aquele consegue perdoar a si mesmo.
- Oh, não, não, deus...
Ele
sente sua semente cair sobre toda a área compreendida entre o abdômen e o
tórax. Com as mãos, espalha sobre o peito. E
é glorioso, senhor Onan, oh, se é, senhor!
Não há culpados mesmo...
ResponderExcluir