Conto: Detetive Linhares
Ilustração: Berje
Todo
mundo na casa vendo filme e fumando maconha. Todo mundo sossegado quando alguém
dá três batidas no vidro da porta de entrada da casa.
-
Fica todo mundo quieto! Deve ser a velhota aí do lado.
Diz
Bruninho que é o dono da casa.
-
Todo mundo se esconde.
Grita
baixinho e rindo a gostosa da Anita que não quer que ninguém saiba que ela está
chapada.
Só
que ninguém quer ver a velha. Ela tem uns noventa anos e manquitola pelo bairro
apoiada numa bengala de madeira e quando ninguém atende a porta ela chora. A
velha é bizarra.
não consigo respirar
-
Porque não inventam um remédio que nocauteie a dor? Talvez a morte seja esse
remédio. Talvez a morte seja um bom remédio pra esses velhos!
Filosofa
Baltazar de dentro do armário.
o peito apertado
-
Vocês deviam ter um pouco de pena da velhinha. O que que custa dar uma mão?
-
Vai lá então, Robin Hood!
Noé
estende bem o braço pra fora do banheiro e faz aquele sinal com o dedo do meio.
Ele detesta quando o Zé o chama de Robin Hood. Pelo jeito ele está mesmo
incomodado com a situação. Todo mundo se escondendo e ele vendo seus amigos
fugindo do que ele imagina ser apenas uma tia qualquer que precisa de ajuda.
Mas ele também não teve a capacidade de se mover. É outro pau no cu que só sabe
reclamar e também não faz nada. Está lá escondido meio ressabiado e vai ficar
no banheiro sem se mover pensando em coisas boas pra ver se o inesperado
acontece.
PLAW!
Um
barulhão vindo da porta.
Todo
mundo bota as cabeças pra fora dos seus esconderijos. Um corpo entra na casa
desabando pela porta e quebrando o vidro. Bem aos pés das bicicletas que estão
amontoadas ali na entrada. E tudo em câmera lenta. O corpo que cai é muito magro
e flutua na queda. Parece um travesseiro de penas de ganso estourando na nossa
frente. O vento entra logo em seguida e levanta os cabelinhos. A boca aberta.
Os olhos fechados. Os braços são dois tentáculos se abanando perdidos no
espaço. A bengala vai dois metros à frente e quase acerta o Santana que está no
sofá com a gostosa da Anita. O vestido preto com rendas esvoaçando. Os
sapatinhos quicando e fugindo dos pés como se sapateassem no ar. E a cabeça
branca quicando três vezes no assoalho de madeira antes de rachar na têmpora
direita e inundar o chão de sangue.
-
Ela tá morta?
Pergunta
Baltazar.
-
Não. Ela está invadindo a casa e vai nos assaltar.
Responde
Santana.
-
Ou isso também.
Grita
Noé lá do banheiro.
-
Caralho, gente! Tem uma velha morta dentro da minha casa! O que a gente vai
fazer?
-
Pelo menos ninguém viu, né?!
-
A Anita tá certa.
Concordo.
A
Anita tem medo que sua mãe descubra as merdas que ela faz e a mande de volta pro
colégio interno.
-
Você tá com medo!
-
Cala a boca, Zé! Me ajuda com o corpo! Alguém pega uns panos na lavanderia e
vai secando essa meleca antes que minha mãe chegue e pegue a gente fumando
maconha com uma velha morta na sala e o assoalho pintado de sangue.
-
A gente tem que enterrar essa velha.
Diz
a gostosa da Anita.
Todo
mundo olha pra ela. Aí ela emenda logo em seguida
-
E se a gente enterrasse essa velha lá no Passaúna?
Puta
merda! Penso. Eu sou o único que tem carro e a velha vai viajar daqui até lá no
meu porta malas.
-
Porra, Anita! Enterrar a velha?! Você tá louca?!
-
Dedé, não fala assim com ela.
-
O namoradão vai defender a namoradona?! Logo você que sempre foi primeiro eu,
depois os amigos, depois as namoradas!
Todos
riem. Menos o Santana e a Anita que se olham e se abraçam. Ele são o mais novo
casal da galera. Ele diz que gosta dela. Ela também. Mas na real o que ele gosta
mesmo é dos peitinhos dela. Eu também. E acho que todo mundo também gosta. Eles
são do tamanho de uma laranja madura. Cabe certinho um em cada mão. Foi o que
ele disse depois de pegar pela primeira vez. Saiu falando pra todo mundo pra
contar vantagem. Só ele não sabe que todo mundo já pegou a gostosa da Anita.
-
Bem teu tipinho, né Santana?
-
Agora vai bancar o namoradão!
-
Hahahaha!!!
-
Alguém me ajuda aqui com a velha
TRIIIMMM!!!
Todo
mundo se arregala com o barulho da campainha. O corpo da velha cai pela segunda
vez.
-
Merda!
-
Vai alguém lá na frente ver o que é!
-
Porra, vai você, Zé!
-
É, porra, você não tá fazendo nada aí!
-
Caralho! Estamos fodidos!
-
Puta merda que zona!
-
Tira a mão daí, Santana!
-
Daê galera!
Silêncio.
Todo mundo olha pro buraco que a porta deixou.
-
Uauuuu! Que é isso? Vocês pegaram um peixão e não me chamaram?! Safadinhos?!
O
Gigante vai entrando. É muito comum isso entre nós. Um entrando na casa do
outro sem pedir licença e fuçando na geladeira e mexendo nas coisas. Crescemos
assim.
-
Essa velha caiu morta aí pela porta faz meia hora.
-
E porque vocês estão com ela aqui ainda?
-
A gente vai levar o corpo no Passaúna.
-
Pra que? Aquela porra já é um cemitério. Porque a gente não queima dessa vez?
-
Porque não foi a gente que matou.
-
E qual a diferença? Se a polícia chegar aqui agora vocês vão em cana.
-
É verdade.
-
E o que a gente faz?
-
Vamos cavar um buracão e encher com aquelas coisas de pinheiro. Depois a gente
taca gasolina. Aí jogamos umas madeiras velhas que tem aí na garagem por cima e
ainda assamos uma picanhota. Pronto!
-
Será?
-
Pra que complicar, Zezé?
-
Meu nome é Dedé.
-
Foda-se você e esse teu nome de merda. Pega lá aqueles negócio do pinheiro e
você aí vai cavando e não olha pra trás.
Gigante
filho da puta. Tenho certeza que o Dedé pensou isso. A galera começa a se
agitar e a fazer as coisas que o Gigante mandou. O Gigante vai pra cima da
Anita e começa a dar uns amassos nela. O Santana não gosta muito e vai pra cima
dele com a pá. Acho que nesse momento está passando pela cabeça dele dar uma
pazada certeira no meio do crânio do Gigante. O grandão olha pra trás e o
Santana fica paralisado. Não vai conseguir terminar o que pensou. Sorte dele. O
gigante ia catar a pá da mão dele e ia quebrar ele no meio. Rio por dentro. Ia
ser engraçado ver o Santana apanhando por causa da gostosa da Anita. Quando ele
conhecer ela de verdade vai ficar de cara. Olha lá. Ele está paralisado de
medo. Acho que vai ficar assim por uns minutos. Enquanto isso eu o Noé e o
Baltazar fomos pegar madeira e aqueles negócios de pinheiro pra fazer o fogo. Nisso
o resto da piazada já tinha feito o que tinha de fazer e estavam gritando lá no
buraco. Voltamos correndo. A gente chega e a gostosa da Anita está dentro do
buraco com a velha. O corpo dela parece que tinha sido dilacerado por um
lobo-mamute. Ela está toda arreganhada e sangrando muito. Está morta. O Gigante
não está mais ali. Sumiu. O Santana está com a pá apontada pro céu do mesmo
jeito que ele ficou quando a gente saiu. Completamente congelado. Parece um
zumbi. O negócio é encher o buraco com toda a madeira e cobrir com gasolina e
tacar fogo o mais rápido possível.
-
Joga bastante gasolina pra queimar rápido.
Não
quero que a mãe do Bruninho chegue e pegue a gente queimando a velha da casa ao
lado e a gostosa da Anita.
Berje
Detetive Linhares