28 de fev. de 2012

O Sonho de Cabeza

Arte: Dolores Garcia
Texto: Florestano Boaventura


Álvar Nuñez Cabeza de Vaca não foi o primeiro conquistador a descobrir as “Cataratas do Iguaçu”, e sim, o primeiro europeu a contemplá-las. Segundo dizem, isto ocorreu em um sonho.
Entorpecido pelas ervas misteriosas dos índios Avavares, que povoavam as encostas do Rio Paraguai, Cabeza de Vaca vislumbrou em estado completamente alucinante as imensas quedas paranaenses. Conjecturou que neste sonho uma bela mulher chamada Naipi fugia com seu amante mortal Tarobá em uma canoa em direção à garganta do Diabo, e então caíam.
As alucinações vieram logo após a pajelança. No ritual, o pajé e seu convidado beberam uma espécie de bebida afrodisíaca, chamada tafiá, evocaram espíritos de ancestrais e de animais da floresta, enquanto índias dançaram nuas ao redor deles – o grupo de quatro homens que o acompanhavam. Elas usavam máscaras de criaturas assustadoras – pelo menos para aquele maço de heróis abrutalhados, afeitos apenas com as inocentes máscaras do Carnaval espanhol.
Álvar suou a febre dos deuses Avavares.
Suas veias eram um emaranhado de rios de sangue, de sua boca brotaram serpentes.
As imagens surgiram turvas e nebulosas, porém muito vívidas, segundo constam os escritos biográficos de Alonso del Castillo, companheiro que possuía um digno dom para a escrita – assim como Álvar, e ficou naquela noite, graças aos deuses, abstêmio da tafiá. Ele foi ouvinte dos devaneios de Cabeza quando o amigo saltou da rede tal qual uma onça, regurgitando vocábulos, seres e mapas.
Assim esta história chegou a mim. E tantas e tantas fogueiras magnânimas lamberam sem mastigar as páginas roídas destes relatos...
Mas Álvar, que já havia enfrentando o monstro da Malária e fez até morto-vivo renascer na “ilha do Mau Fado”, não se deixou abater por uma mera febre e no outro dia, logo cedo, ao lado de seus quatro fiéis compartes, partiu em direção ao cerne da floresta. Estava disposto em encontrar as tais quedas monstruosas que calharam sobre sua rede durante a noite.
Era preciso subjugar as divindades líquidas. Enfrentar o destino que lhe foi imposto.
A trilha era um tapete de vagalumes amassados ainda acesos.
No caminho, pediu para que del Castillo lesse os escritos da noite passada.
Os cinco homens foram então guiados por aquelas palavras. Versos dementes, gerados da vigília febril. Mapa de tafiá.
Até que então a Garganta do Diabo se acendeu para eles.
Das cachoeiras colossais, abriu-se um rasgo no verde. O mundo desabou em milhares de litros d´água.
Era difícil respirar. As cataratas sugavam as palavras para dentro delas.
Insetos incríveis volteavam as gotas.
Lagartos pré-históricos espreitavam entre arbustos.
E Cabeza de Vaca só não foi o primeiro conquistador a descobrir a Cataratas do Iguaçu porque esta expedição também só ocorreu em um sonho. 

Florestano Boaventura
Editor da revista pulp Lodo: revistalodo.blogspot.com

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