Ilustração: Carol Winter
Texto: Otavio Linhares
durmo e acordo pensando em você. nos teus contornos, nos teus buracos, na tua chama que voraz, respinga em meus olhos e me atordoa. são desejos que não transbordam, recalcam, se retraem. por isso, nessas horas, não falo nada, apenas lembro de você como num futuro, uma estória a ser escrita, algo que as mãos ainda não tocaram, mas que sabem reconhecer a temperatura, distinguir o cheiro, passear a textura, sabem exatamente como você é. por isso não abro a boca quando pronuncio seu nome e mantenho sempre os olhos fechados, porque sei que serei guiado sem pedir licença.
os contornos do teu corpo são o meu mais íntimo nada necessário
um falo, uma vagina
todos os buracos
uma língua
sim e não
quando juntos, um só
nunca separados
potência máxima
ilimitado
você não sente?
por isso não importa, não é?
é como se não valesse nada
só há nada entre nós, a ponta do iceberg, e o grande X marcado com sangue na terra. aos outros só poderíamos pronunciar palavras indizíveis, espalhar sombras, velar os corpos, rir pelas almas e satisfazer nossos egos tatuados em todas as nossas línguas. dentre todos eles não há um que reste para servir de mártir da coisa nenhuma, de engodo, de enfadonho desejo. dentre todos os restantes haverá um que não tenha sentido do próprio gozo congelado na garganta e engolido seco seu próprio genocídio?
quando aponto o olho esquerdo até você e deixo o frio sair, não quero dizer nada. digo nada. um grande tubo vendado com uma boca cheia de dentes, donde bolhas vazias de metal cinza saem feito metralhadora giratória.
invólucro pertinente
algoz furioso
mentecapto restante
limite velado
falha abissal
loquaz ferido.
bem lá no fundo, no começo do fim de todas as coisas, quando abro os olhos, não vejo você. porque você não existe.
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