Ilustração: Daniel Gonçalves
Cheguei
perto da porta. Cheiro de sangue. Do outro lado gemidos de uma voz jovem.
Tentei escutar mais algum barulho. Nada. Saquei a Jéssica. 1, 2, 3. Arrombei a
porta. A cena não era das mais agradáveis, mas ainda tinha solução. Uma menina
de aproximadamente doze anos estava jogada em um sofá, semi-nua. Uma janela do
seu lado direito estava aberta e a cortina esvoaçava.
-
O cretino fugiu.
Antes
de dar atenção à moça dei uma rápida revistada na casa. Ninguém.
-
Você está bem?
Eu
sei que é uma pergunta cretina para o momento, mas me ajuda a saber como estão
os sinais vitais da menina.
-
humm...minha...
-
Não fale nada, menina. Eu sou detetive e vou te levar prum hospital.
Ela
tinha alguns cortes pelo corpo. Coisa de profissional. O cara não a esfaqueou.
Fez o sangue escorrer o suficiente pra ela ficar lesada. Havia um corte no
braço, um na barriga, na altura do rim, um no pescoço e um na panturrilha. Ela
estava pálida. Liguei para o Siate. Estanquei os cortes com algumas camisetas que
encontrei por ali. Por sorte ele ainda não havia penetrado a moça. Havia
algumas escoriações na região da vagina, mas, de fato, nada havia acontecido.
Cobri-a com um cobertor. O Siate chegou em cinco minutos.
-
Detetive Linhares.
-
Tenente Carlos.
-
Alguma coisa?
-
O cara deve ter fugido pela janela quando me ouviu chegar. Ela está com cortes
e o cretino tentou estuprá-la.
-
Mas vai ficar bem. Já tem pistas do cara?
-
Pelos cortes é o Espalha Esperma. Ele deixa a vítima lesada, sem força para
reagir, e depois a estupra.
-
Coisa de profissional.
-
Ele tem algum problema com bucetas. No final o cretino costura e cauteriza os
grandes lábios da moça pra que ela não trepe com mais ninguém.
-
Caralho!
-
Crime de ódio.
Deixei
os médicos cuidarem da menina e fui até o Distrito falar com o Chefe Tavares.
-
Ela está bem.
-
E o estuprador?
-
É o Espalha Esperma. Vou achá-lo. Conheço uma menina que foi atacada por ele.
-
Ele não tem ficha. Como você sabe?
-
A sala estava com o cheiro do safado. Me dá três dias.
-
Feito. Três dias. Depois disso vou ter que acionar o Delegado Mendes.
Nem
respondi. Esses acontecimentos quando caem nas mãos da mídia se transformam em
catástrofes. E não temos nenhuma catástrofe por aqui, apenas um estupradorzinho
de merda que vai pedir pra nascer de novo quando me encontrar.
Saí
do Distrito e fui encontrar uma menina que foi estuprada pelo Espalha Esperma.
Passei numa padoca e peguei um café duplo. Era final de tarde. Ela devia estar
indo pro trabalho.
Passei
no ponto dela, ali na Praça Ouvidor Pardinho, e nada. Mas o patrão já estava na
rua.
-
Cadê a Taty?
-
Detetive Linhares, quanto tempo? Querendo diversão?
-
Deixa esse sotaque ridículo de carioca de lado e me diz onde tá a moça.
-
Não chegou ainda, detetive. Não sei se ela vai te atendê. Ela tem um clientinho
aí, agendado pras sete horas... sabe como é...
-
Não perguntei o que ela vai fazer. Cadê a Taty?
Disse
e fui descendo do carro. Comecei a ficar puto com a falta de colaboração do
cretino.
-
Calminha aê, detetive. Ela já deve tá chegando. Güenta aí. Dez minutinho.
Eu
não sei donde esse bosta tirou esse sotaque ridículo. Encostei no capô do
Inércia e esperei. Odeio esperar. Fico irritado. Saquei o vidrinho e mandei uma
pra acalmar.
-
Tá afim?
-
Aêê, detetive. Mandô bem, hein! Uma cafungadinha pra começá os trabalhos não é
nada mal.
O
cara abaixou a cabeça pra cheirar e eu preguei sua cara contra o carro.
-
Desculpa aê, Inércia, mas eu preciso trocá uma idéia com esse idiota. Escuta
aqui seu cretino! Larga mão desse jeitinho idiota de falar comigo ou eu vou
quebrá teu crânio em mil pedaços! Tá me entendendo?
-
Porra, detetive. Qualé? Tô querendo ajudá! Faz isso, não!
Larguei
o cara no chão.
-
Não mete o nariz onde não é chamado, seu bosta!
-
Ei, ei! Que tá acontecendo aqui? Pára com isso, detetive!
A
Taty chegou correndo e foi logo tratando de socorrer o seu comparsa (marido,
gigolô, traficante, e etc...).
-
O nariz dele tá sangrando!
-
Entra no carro.
-
O que você qué? Uma chupadinha pra baixá o facho? Hein?
-
Taty, cala a boca e entra duma vez no carro!
-
Vai com ele, Taty. Ele tá doidão.
O
cara sentado com aquela cara de coitado e o nariz sangrando me trouxeram
algumas imagens à mente. Velhas fotografias.
-
Teu nariz tá uma merda. Vai no postinho
resolvê isso aí!
Entramos
no carro e fomos dar uma volta.
-
Tô procurando o Espalha Esperma. Cê sabe alguma coisa?
-
Você sabe que eu não gosto de falar sobre isso.
-
Ele atacou uma menina de doze anos hoje de tarde e eu vou arrancá a pele dele.
Então é bom você começá a abrir a boca.
-
Olha aqui, detet...
-
Olha aqui o caralho!
Comecei
a gritar baixinho, como se a voz estivesse entalada no fundo do pulmão.
-
Esse cara não vai mais arrebentar ninguém! Cê tá me ouvindo? Fala duma vez,
porra! Não fica me enrolando que eu não tenho a vida inteira!
Ela
respirou fundo e se acalmou. Acendeu um cigarro. Dei uma carreirinha pra ela.
Ela se animou.
-
Eu vi ele no Blues Velvet... quarta-feira... tava pegando uma guria lá.
-
Como era essa guria?
-
Baixinha, morena, cabelo meio vermelho, meio alaranjado. Devia ter a minha
idade. Bem bonitinha ela. Rostinho angelical, hehe. Sabe como é né, detetive,
aquela carinha de quem não conhece o Blues...
Engraçado
como a voz das pessoas muda de uma hora pra outra. Muita coisa deve passar na
cabeça de um indivíduo em um milésimo de segundo.
-
Hahahahaha!!! Idiota, não consigo imaginar o que uma ninfeta daquela faz num
bar como esse.
-
Foda-se o que ela tava fazendo lá. Quero saber pra onde eles foram, quem é essa
menina, qual é a porra da ligação dos dois!
-
Calma, detetive. Comé que eu vô sabê disso?
-
Sei lá, caralho! Não é esse o seu trabalho?
-
Você não tá nem aí, né?
-
Nessas horas eu esqueço um pouco o que é certo e o que é errado...
-
Ela deve ser a próxima vítima dele. Quando eu vi o safado lá fui embora do bar.
Ainda tenho medo dele. Mas a Frida diz que viu ele saindo com essa guria e
entrando num carro branco.
-
Pegô a placa?
-
Claro que não, detetive! Cê tá loco?! Porque alguém ia ficar anotando placa de
carro?
-
Porque o cara é um assassino sangue-frio e vai matá mais gente enquanto eu não
fudê com a vida dele! Que caralho! Vocês vivem em que mundo, hein?
Parei
o carro próximo a Praça Osório.
-
Desce.
-
Eu não trabalho aqui hoje.
-
Desce, porra!
-
Seu veado!
Ela
desceu a contragosto. Ficou me xingando. Eu saí e fui até o tal bar dar uma
averiguada.
Detetive Linhares
Seus textos e contos podem ser visualizados no site: detetivelinhares.blogspot.com.br
Seus textos e contos podem ser visualizados no site: detetivelinhares.blogspot.com.br
Daniel Gonçalves
Radicado em Curitiba, casado com Amarilis e pai de Leon, Layla e Alice. Teve toda sua vida permeada pela paixão à literatura, artes visuais e música. Atual editor da revista LODO e co-editor da revista LAMA.
Paralelamente aos trabalhos artísticos, desenvolve projetos de arquitetura e design.
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.danielgoncalves.art.br.
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