19 de mai. de 2012

Espalha Esperma – Parte 3

Texto: Detetive Linhares
Ilustração: Daniel Gonçalves



Dez minutos depois eu já estava na esquina do Blues.
- É o seguinte, Jéssica, não vâmo esperá uma hora. A gente vai entrá por conta própria e vê o que acontece.
- Como sempre, não é, Detetive?
- Exato. Como sempre.
Havia muita gente na frente do bar. Latões de lixo com óleo diesel pra esquentar os mendigos que se juntam por ali em busca de algumas migalhas; cuidadores de carros enrolados em mantas cinzas, semi corcundas por causa do frio; uns tantos quantos, homens, mulheres, seres que não se pode mais distinguir nem sexo, nem cor, e todos encostados nas paredes esperando por zumbis em busca de prazer, de satisfação plena. Bêbados, viciados, vampiros, putas se equilibrando em saltos altos minúsculos, e eu parado na esquina com a Jéssica, decidindo o melhor momento de entrar nessa zona de guerra.
- É isso aí, Jéssi. Eu já tava com saudades.
- Hihi, eu também, Linhaça. Tá esperando o quê? Vâmo lá.
- Beleza.
Dei o primeiro passo e um calafrio subiu do tendão de Aquiles até a jugular. Senti as veias inchando. Pressão total. Eu gosto disso. A euforia queimando a pele feito combustível. A pupila retraindo, a tensão tomando conta do corpo. Fico melhor assim é o butcher, man. É um estado que pra muitas pessoas é prejudicial por causa do coração e todas aquelas balelas médicas, mas aqui a barra é pesada, a coisa é mais profunda. É como aqueles carros de filme estilo Mad Max, sabe? larga ela, linhaça Motorzão barulhento, uma dúzia de pistões batendo no cabeçote rebaixado, fogo saindo pelo escape, a câmera pegando o olhar do mocinho em contraplano ao do vilão, e não sei porque, só lembrava da primeira estocada mas nessa hora sempre toca um rock.
- Você é muito romântico, Linhaça. Acaba de uma vez com isso. Já tô me coçando toda aqui dentro.
- Ok.
Pó mágico pra mim e pra Jéssica pra entrar no canal...
- Dá um teco, aê, irmão!
- Hã...oi...desculpa...
Dois caras chegaram do nosso lado pedindo pó. ela foi parar na UTI Eu me fiz de morto pra comer o cu do coveiro.
- É isso, aê, racha com nóis a parada aê cara.
- Vocês vão me desculpar, mas é da minha mulher e ela não gosta muito que eu fique dividindo o pó dela com pessoas estranhas e...
- Olha aqui, bróder...
Hahahaha!!! Vocês não vão acreditar! Um deles puxou uma faca! Hahaha!!! Eu acho muito engraçado quando eles fazem isso!! Parece comédia stand-up, sabe? Hahaha!!! O cara para na tua frente, puxa uma faca e conta uma piada!! é o butcher, man Hahaha!!! Muito bom isso...ai ai... A Jéssica já estava se contorcendo toda dentro do casaco.
- ...é melhor cê entregá o baguio pra nóis, tá entendendo?
- Senão a treta vai caí pro teu lado, magrão... ééé...
Parei de rir. A Jéssica parou de se mexer. Tudo ficou mudo de repente. Aqueles dois idiotas se movendo. Pictocoreografia. Num movimento a Jéssica pulou pra fora do coldre e se enfiou na boca do safado da esquerda. Eu grudei o outro cara pela garganta.
- Vô arrancá teus olhos.
O cara começou a berrar. você é um cara procurado Enquanto isso a Jéssi quebrava uns dentes do outro magrão.
- Ei, ei, Detetive! Mas o que é isso? Dêxa os cara na paz!
O Fórtiunaine arrancou meus dedos de dentro do globo ocular daquele imbecil. A Jéssica ainda insistia que devia fazer umas obturações no outro idiota, mas o 429 pediu com carinho e ela saiu lá dentro com um apenas um dente no cano. a tua consciência Os caras saíram correndo.
- Ô, Linhares, qualé meu velho? Vai chegando assim, metendo bala nos cara aê... Pega leve, irmão. Faz uma cara que você não chega aqui presses lado. Vai de leve, bróder.
A minha mandíbula estava tão travada que eu não conseguia pronunciar sequer uma palavra.
- Vâmbora daqui. O cara que você tá procurando não tá aí. Pega o carro e eu te levo até ele.
Fomos até o Inércia e saímos em direção ao Largo da Ordem. como cantar na chuva O Fórtiunaine veio comigo. Ele fala pra caralho, mas eu não conseguia entender o que ele estava falando. Agora, eu só queria saber do estuprador.
Paramos na esquina do Fire Fox, um bar de motoqueiros nas Ruínas São Francisco. É um boteco bacana com mesinhas espalhadas pela calçada. Sempre está tocando um rock’n roll no último volume. Me lembro que a gente sempre vinha aqui quando eu era piá. A piazada sempre vinha fumar maconha presses lados com os hippies que vendiam bugigangas. Ficávamos sentados até altas horas fazendo nada e falando bosta nenhuma. você é trazido pra esse mundo Só no rock.
- Come here, detective.
Segui o 429 até uma das mesas externas onde dois caras estavam nos esperando. Ele cochichou no meu ouvido.
- Eles disseram que viram o cara aqui no bar com a menina faz uma meia hora.
Bem mal encarados os rapazes. Esses caras que tentam botar medo fazendo cara feia e se vestindo feito mestre-sala e porta-bandeira. Os dois estavam com os narizes bem empinadinhos. Respirei fundo. A Jéssica estava bem louca dentro da jaqueta.
- Cadê o cara?
- Cadê a grana?
- Ééé...o teu amiguinho falou num tal de duzentão, aê.
- Ok...
Suspirei de saco cheio. te ofereço minha alma Meti a mão no coldre. A cena ficou tensa. O 429 sacou que eu ia puxar a Jéssica e interveio.
- Então, galera, eu não falei bem isso... é que uma ajudinha... sabe comé que é nééé, detetive...
E deu aquela piscadela com o olho direito.
- Cê sabe que eu odeio quando você faz isso!
- Isso o que?
- Caralho, man! Porque você sempre tem de piscá essa porra de olho quando tá falando merda, hein?!
- Péraê, man. Eu só tava falando que...
- Cê qué que eu te meta uma porra de uma bala no cu, é, 429?
- Não, não...
- Então porque você não vai tomá no teu cu gordo, hein, caralho?!
O caldo estava engrossando pro lado do Fórtiunaine. O mais gordão levantou e foi tentar falar alguma coisa. A Jéssica riu.
- Senta!
Ela voou na cara dele. As mesas do lado fizeram silêncio por alguns segundos. O clima esquentou por um instante. A Jéssica depois me contou que a minha voz já tinha ficado com aquele tom engraçado, de quem parece que está falando com bolinhas de gude na bochecha.
- Cadê o cara?
- Ei! Péraê, cara...
CLÉC!
Adoro esse barulhinho. levanto de manhã A Jéssi pulava de alegria.
- Um...
- Calminha, aê, detetive...
- Dois...
- Ô, meu irmão...
Sim, os caras já tinham se cagado nas calças.
- Três!
O gordão abaixou a cabeça e cobriu os olhos com as mãos, depois soltou um gritinho agudo que junto com o som alto mais me pareceu uma microfonia. O magrinho já tinha virado paçoca debaixo da mesa. a cabeça cansada O 429 ria. A Jéssica urrava pra que eu apertasse o gatilho. Mas não foi o que aconteceu.
- Escreve aí no guardanapo onde tá o cara.
- Tá bom, tá bom...
- Mas por favor não mata a gente.
O Fórtiunaine foi filar um cigarro na mesa do lado com umas gatinhas. O cara gordão escreveu no guardanapo.
- Ô, Detetive, foi mal, mas é que eu tava pegando um cigarrinho com as meninas ali... inclusive uma delas gostou de você e depois a gente podia dá uma relaxada... que cê acha?
Tinha um endereço de um mocó escrito no papel. Um motelzinho na Pedro Ivo, pertinho da Rui Barbosa. Eu conheço o lugar. Uma vez eu e o Lufus fizemos um filme lá.
- Bóra, man.
- Pô, mas e as minas...

Detetive Linhares
Seus textos e contos podem ser visualizados no site: detetivelinhares.blogspot.com.br

Daniel Gonçalves
Radicado em Curitiba, casado com Amarilis e pai de Leon, Layla e Alice. Teve toda sua vida permeada pela paixão à literatura, artes visuais e música.  Atual editor da revista LODO e co-editor da revista LAMA.
Paralelamente aos trabalhos artísticos, desenvolve projetos de arquitetura e design. 
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.danielgoncalves.art.br.  


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