Ilustração: Daniel Gonçalves
Trajano
Reis esquina com Paula Gomes. Putas, traficantes, bêbados, zumbis, vampiros,
viciados de todos os tipos...
-
Toda a escória reunida...
Ruazinha
maldita. Já peguei uma meia dúzia de safados por aqui, e sempre que venho a
esse lugar tenho vontade de matar mais meia dúzia. Estacionei o Inércia perto
do Torto Bar na Paula Gomes. Uns idiotas se aproximaram, mas eu não estava à
altura dos meus amigos.
-
Detetive Linhares, que sastisfação revê-lo!
Um
sujeitinho magrelo, zumbizaço da região. O pessoal aqui do bar o chama de
Fórtiunaine, por causa do número da sua casa, 429. É um cara bacana, mas quando
manda uma pedrinha pra cabeça se torna o superhomem e acha que pode saí falando
com todo mundo como se fosse o Bruce Willis. Não estou brincando! Ele reproduz
falas do Bruce dos filmes de ação, por isso o pessoal do bar deu esse apelido
pra ele em inglês. O cara é um figuraça, mas hoje eu não tenho tempo pra
piadinhas.
-
Não me encosta, Bruce.
-
C`mon, dude! What`s up?
-
Tô atrás de um cara assim assado...
- Humm... I know man... So, what you think about... i
can help you, hã?
E
deu uma piscadinha com o olho direito. Detesto caras que depois que falam com
um jeitinho malandrinho dão uma piscadinha com o olho direito. Parece que eles
querem reforçar a besteira que estão falando. Apertei o pescoço dele.
-
Escuta aqui seu idiota! Eu tô tentando pegá um filho-da-puta que tá aí pela
região, então sai da minha cola com esse teu jeitinho idiota de falá...
É
óbvio que começou a juntar gente em volta desse papinho. Os zumbis vieram
socorrer o Fórtiunine. Sabe aquele segundo de lucidez? Botei o 429 no chão.
-
Ok, Bruce. Você pode me ajudá.
Ele
levantou engasgando. É um sujeitinho que conhece muita gente por aquelas ruas.
Talvez ele me leve mais rápido ao Espalha Esperma.
-
You bastard, man! But it`s ok. I
like you, and i know you like me.
Ele
pensou uns dois segundos. Então, veio falar baixinho no meu ouvido.
-
Cê tem uma pedrinha aí?
Eu
sinalizei que sim. Ele abriu um sorrizão. Faltava pelo menos uns oito dentes
ali dentro, e o resto somado não dava dez. Ele gritou baixinho pros amigos
dele.
- Let's go gang, let's give a little help for my friend.
Eu já estava saindo em direção ao Blues
quando um vento frio atravessou a minha espinha. Me lembro que a vovó sempre
dizia que quando isso acontece, é a Morte querendo se anunciar, mas, tadinha da
vovó, não sabe de nada. Na verdade, senti que alguém dentro do bar, encostado
na mesa de sinuca, me observava. Parei. Senti o coração batendo dentro da
garganta. Levemente passei a mão na Jéssica. CLÉC! Engatilhei. Ela ficou feliz.
Bem devagar eu fui virando a cabeça pra ver quem era o cara que eu já sabia
quem era: O Doutor.
O
velho safado estava encostado na única mesa de sinuca do bar pra que ninguém
pudesse jogar. Ele odeia aquele barulho de bolinhas se chocando, e caras
bêbados brigando com os tacos... Ele jura que isso é desperdício, pois
geralmente quebra o bar inteiro. E ele tem razão. Então, ele faz isso pra que
ninguém o incomode.
Como eu sempre o
imaginei: com aquele seu velho terno bege escuro, camisa com três botões
abertos, correntinha de prata, vários anéis nos dedos, uma Heinekken em cima da
mesa, e uma cachaça nas mãos. Ele entornou um gole da marvada e abriu um
sorriso. Eu continuei sério. Já estava puxando a Jéssica pra fora do casaco
quando ele fez um sinal negativo com a cabeça. Nos olhamos por meros milésimos
de segundos. Flashback de uma parte das nossas vidas que ainda não foi contada.
Um brilho nos olhos d`O Doutor iluminou a noite. Tudo congelou nesse milésimo
de segundo. Como numa enxurrada, tudo voltou ao normal. Virei pra frente e
segui pela rua em direção ao Blues Velvet.
O resto da gangue
do Fórtiunaine se espalhou pelas ruas da região. São experts em se movimentar
no escuro. Esse tipo de gente vive assim, da escuridão. Se alimentam da energia
das pessoas que não são desses ambientes e que querem se transformar em heróis
da noite, boêmios, falsos profetas, que vão arrotar durante o dia as façanhas
que cometeram na noite anterior. Não passam de pobres coitados, pois mal sabem
que estão sendo sugados, levados pro outro mundo, pro lado desses vampiros, e
que não vão retornar, pois bem dizia um amigo de um amigo que eu conheci há
alguns anos: “Cara, a gente tem que saber entrar e sair da festinha”.
O 429 disse que me
encontraria no bar em uma hora.
Detetive Linhares
Seus textos e contos podem ser visualizados no site: detetivelinhares.blogspot.com.br
Daniel Gonçalves
Radicado em Curitiba, casado com Amarilis e pai de Leon, Layla e Alice. Teve toda sua vida permeada pela paixão à literatura, artes visuais e música. Atual editor da revista LODO e co-editor da revista LAMA.
Paralelamente aos trabalhos artísticos, desenvolve projetos de arquitetura e design.
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.danielgoncalves.art.br.
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