29 de mai. de 2012

(2) Por causa da editora que não gosta de literatura pulp

Texto: Fabiano Vianna
Fotos: Marco Novack
Estrelando: Dimis Sores, Carolina Fauquemont, Nika Braun & Wagner Corrêa
Arte: Marja Calafange
Figurinos: Day Bernardini
Maquiagem: Carol Suss
Assistente de Maquiagem: Grace Lee França
Apoio: Trio Luz

Agradecimentos : 
Raquel Deliberali, Ato 1 LabEugênia Castello Andrea Tristão





Parte 2


Esperei Fernando ir ao banheiro para borrifar estricnina no café. O problema é que sou meio ruim de mira e acabei molhando o livro que ele levou de presente para mim. Também porque, quando fico nervoso, tremo um pouco. Mas deu tempo de secar o tomo na minha blusa antes dele voltar.
Quando sentou, perguntou se estava tudo bem, e eu respondi que sim – foi só um calor repentino por causa da bebida. Eu suava muito e a cada sorvida de café que ele dava, eu tremia mais.
Antes de a toxina começar a agir, ainda conversamos mais um pouco. Ele me contou sobre seu último e sonolento livro, “Voa, voa, andorinha” e pensei que talvez fosse o antídoto para meu problema de insônia. Foi o exemplar que ele me deu, além de várias dicas de como escrever “grande literatura” e largar de vez o pulp. Eu poderia também usar o volume como peso para segurar a minha porta da lavanderia que está com problema na fechadura.
Inventei uma desculpa qualquer e vazei, antes que ele começasse a estrebuchar. Paguei minha conta, disse “quanto o admirava”, agradeci a paciência de se encontrar comigo, me despedi do “amigo” e caminhei em direção à Praça Osório, onde sentei num dos bancos. Cronometrei dez minutos e voltei até o Café.
Uma ambulância da ECO SALVA piscava vermelho e azul na frente, enquanto enfermeiros carregavam o corpo do escritor. Pensei comigo: “Não é que funcionou!” Um grupo de curiosos reuniu-se em volta e pude ouvir uma das pessoas falar “Era um baita escritor! O melhor da cidade. Grande perda!”
Escutar o comentário me deixou puto, mas não chegou a estragar o prazer que sentia. Antes de subir passei na Pizzaria Itália e comprei cerveja. Coisa que eu raramente faço, porque prefiro Yakult ou qualquer outra bebida. Mas não sei por que naquele momento senti vontade de beber “uma gelada” – como dizem os amantes da loirosa.
 Eu estava me sentindo muito bem, era como se eu tivesse sido ligado em duzentos e vinte. Fui dominado por uma súbita vontade de escrever. Paguei a bebida e subi até o apartamento.
Desfrouxei a gravata, abri a latinha e comecei a digitar imediatamente. Neste dia, escrevi minha primeira história de cotidiano: “A Andorinha capenga”. Segundo a editora, minha melhor crônica.
Descuido do ralo e a peneira entope de novo. Não sei quanto tempo fiquei olhando em direção ao nada. Odeio quando a água sobe e suja as louças. Por sorte não transbordou. Enfio a mão no meio da água com detritos boiando e libero a peneira para que a água escoe.
O resto da lasanha que esquentei no microondas quinta-feira passada se transformou num grude mutante colado no prato. Meto detergente e esfrego com Bombril. Então o pedaço se parte em vários fragmentos menores, escorrem com a água e se concentram na peneira do ralo para então jogá-las no lixinho. A massa desforme lembra-me a carne da escritora dilacerada pelas mandíbulas do jacaré. 




(continua...)

Fabiano Vianna 

Brasileiro. Nasceu em Curitiba, Julho de 1975. Formado em Arquitetura e Urbanismo. Trabalha como diretor de arte, designer, ilustrador e escritor. Como escritor expressa sua literatura na forma de fotonovelas. Lançou em Outubro de 2009 a revista de literatura pulp, Lama. Em Junho de 2011, lançou a Lama nº 2. Gosta de Moleskines, fotonovelas, charutos, lambretas, gravatas, noir e literatura fantástica. Não fica nem um dia sem o café tradicional das padarias do centro da cidade. Mantém também 
o blog  www.contosdapolpa.blogspot.com. 

Marco Novack

Publica suas imagens no site: http://www.marconovack.com.br


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