6 de jun. de 2012

O Caso da Morte do Mutreta (Parte 3)

Texto: Eduardo Capistrano
Ilustração: Foca Cruz





Parte 3

Sondou a cidade atrás dos dois conhecidos de Célio Silva. O primeiro era franzino o suficiente para Guerra dar uma de valente. Seu Chevette 1980 bege parou na frente da padaria onde o elemento tomava uma média com misto quente e chacoalhou o homem até ver que aquilo não daria em nada. O homem não tinha mais negócios com o Mutreta desde que ele tinha tentado enganá-lo, e pareceu surpreso, mas não muito feliz, ao saber da morte dele. Célio Silva tinha se tornado importante para muita gente. Mesmo quem desconfiava dele preferia que continuasse vivo.
Não encontrou o outro conhecido, ou melhor, conhecida, de Mutreta. Os dias se passaram, as pistas esfriaram e a busca infrutífera por palpites que se seguiu, além de outros trabalhos e outras preocupações, afastaram a morte de Mutreta da lembrança de Márcio. Sua consciência estava tranquila, pois os contatos cada vez menos esporádicos com Correia indicavam que a dupla de novatos também não tivera sucesso algum.
Isso até Mutreta morrer de novo.
Confusos e sonolentos, encontraram-se Correia, Guerra e os novatos em plena madrugada numa das rodovias que saíam da cidade. A linguagem do momento eram palavrões e impropérios, à medida que avançavam centenas de metros, barranco abaixo e matagal adentro, seguindo uma trilha de lama e vegetação esmagada que já começava a se fechar. A trilha acabava em um festival de fachos de lanterna que convergiam para as ferragens de algo que fora um dia um automóvel. Do metal retorcido emergia uma mão horrorosamente fraturada e putrefeita.
O investigador iluminou a placa do carro e lançou um olhar pra Correia, que em resposta acenou afirmativamente depois de olhar para um extrato que trazia em mãos. Era o carro de Mutreta, desaparecido de sua casa incendiada até aquele momento. Já raiava o dia quando os bombeiros terminaram de cortar as ferragens e extraíram o cadáver para os legistas. Um deles sacou a carteira arruinada e seu conteúdo arrancou risadas nervosas e maldições da equipe. O cadáver portava a carteira de habilitação de Célio Dias.
Os dois Mutretas estavam lado a lado sobre mesas de autópsia no Instituto Médico Legal. Guerra e os outros trocavam hipóteses. Só cabia uma de duas situações: o verdadeiro Célio Silva estava ou não dentre os cadáveres. Estavam “providencialmente” desfigurados além do reconhecimento, com impressões digitais e arcadas dentárias destruídas. O caso ganhou atenção e os novatos regozijavam com a já garantida notoriedade. Exames periciais mais dispendiosos foram autorizados e apenas Guerra e Correia ficaram mais preocupados do que tranquilizados. Todos acreditavam que o segundo cadáver seria o erro que resolveria todo o caso. Mas os dois veteranos sabiam que o talvez defunto não chegou à reputação que tinha cometendo erros.
Os novatos agarraram-se ao caso com unhas e dentes e curtiram a breve onda da fama, dando entrevistas e fazendo o caso do Mutreta chegar aos jornais e revistas. Ocorrendo bem no meio de uma “seca” de tópicos da mídia, o “Caso Mutreta” ganhou os jornais, revistas e noticiários, sendo discutido e até julgado com autoridade por qualquer um que tivesse lido meio parágrafo de um dos vários artigos especulativos que foram publicados.

Eduardo Capistrano

Nasceu em Curitiba, Paraná, no ano de 1980. Contista desde 2002, é autor de "Histórias Estranhas" (2007) e "A Quarta Dimensão" (2011).
Saiba mais em http://edcapistrano.blogspot.com

Foca Cruz

Luiz Alberto Cruz, Foca, parnanguara, primeira lembrança na vida foi ver Neil Armstrong numa tv preto e branco andando feito um bobo na lua. Nessa época já existiam dinossauros e os carros de corrida na oficina do lado. O primeiro livro lido foi "Viagem à Lua" de Julio Verne. Ganhou do irmão pintor uma "Rotring" 0.3 aos 10 anos, daí em diante fodeu, pois logo ficou claro de fato que desenhar é como tocar violino em público: ou é muito bom ou da ânsia de vômito. Adam West. Também o do próprio: www.focacruz.wordpress.com

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