Parte 2
Márcio lembrava-se dos feitos de Célio Silva desde seus tempos de Polícia. O Mutreta sempre fora um daqueles criminosos mais incômodos do que perigosos. Acumulava uma longa lista de contravenções e crimes pequenos, mas só alguns lhe deram os poucos anos que passou preso. Era habilidoso pra não deixar provas e pra inutilizar aquelas que deixava. Especulações abundavam sobre sua participação em infrações das mais variadas, das leves às gravíssimas; provas faltavam e Mutreta nada dizia, colhendo os frutos da reputação incerta.
Por algum fato misterioso, o Mutreta era admirado pelos bandidos, talvez por ter sempre “livrado a barra” dos cúmplices em vez de “bater com a língua nos dentes” quando tinha a oportunidade. Mas ele sozinho podia mandar meio submundo pra cadeia. Envelheceu no crime, sempre respeitado. Seu nome era mencionado com alguma reverência até mesmo do lado da lei.
Era um “roleiro” dos melhores, daqueles capazes de vender gelo pra esquimó. Pregava peças em todo mundo, mas só o fazia pra obter alguma vantagem. Desenvolvera com esses hábitos lábia ferina, habilidade como mentiroso e a subsequente descrença de todos, com tudo o que fazia.
Evidência de tudo isso era que tanto Guerra como Correia custavam a acreditar que tinha morrido. Verdade ou não, o fato de um documento dele estar em um cadáver carbonizado dentro de uma casa incendiada era complicação suficiente. Teria sido morto por um de seus inúmeros possíveis inimigos, que finalmente descobriram ser ele o causador de algum prejuízo? Ou seria mais uma peça elaborada do Mutreta? Se fosse o caso, em quem a estava pregando?
Correia apresentou ao investigador alguns dos policiais que também examinavam a cena. “Um par de novatos”, resmungou o agente de meia-idade. Guerra trocou algumas palavras com os rapazes. Havia perdido muito da profissão mas ainda sabia reconhecer o “traquejo” que vinha com o ofício. Os policiais podiam ser novos, mas já demonstravam algo da amargura que vinha com o endurecimento.
Os novatos estavam investigando novas pistas sobre um notório assalto a banco que havia ocorrido uns 10 anos antes. Receberam uma denúncia anônima que não parecia muito válida e acabou sobrando para eles. Estavam ansiosos por um caso que lhes desse algum renome e seguiram uma longa trilha de migalhas, todas cercando o Mutreta. Guerra perguntou como chegaram à conclusão. Cinco das pessoas que interrogaram estavam a alguns nomes de distância de conexão com Célio Silva. “Nada mal”, pensou o investigador com as sobrancelhas erguidas. Ele próprio conhecia os nomes e as conexões, e não se deu conta disso. Os dois ainda não tinham o suficiente para fechar o cerco, quando foram notificados do incêndio.
Era parte do “método Guerra” de investigação apropriar-se sem arrependimento das descobertas dos outros, sem a necessidade de contraprestação. Ocorreu ao investigador outros dois nomes sequer mencionados pelos novatos, um deles que poderia lançar luz sobre o paradeiro do Mutreta, se fosse outro que não o necrotério.
Alguns monossilábicos com Correia firmaram o contrato com seus serviços de investigação. “A combinar”. Dependia do que descobrisse. Correia não havia nascido ontem; se aquilo tudo resultasse na solução do assalto a banco, a Polícia ficaria com os louros.
Eduardo Capistrano
Nasceu em Curitiba, Paraná, no ano de 1980. Contista desde 2002, é autor de "Histórias Estranhas" (2007) e "A Quarta Dimensão" (2011).
Saiba mais em http://edcapistrano.blogspot.com
Foca Cruz
Luiz Alberto Cruz, Foca, parnanguara, primeira lembrança na vida foi ver Neil Armstrong numa tv preto e branco andando feito um bobo na lua. Nessa época já existiam dinossauros e os carros de corrida na oficina do lado. O primeiro livro lido foi "Viagem à Lua" de Julio Verne. Ganhou do irmão pintor uma "Rotring" 0.3 aos 10 anos, daí em diante fodeu, pois logo ficou claro de fato que desenhar é como tocar violino em público: ou é muito bom ou da ânsia de vômito. Adam West. Também o do próprio: www.focacruz.wordpress.com
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