Conto: Diego Gianni
Ilustração: Gustavo Ramos
É o dia em que as flores vivas
são deixadas rentes aos mortos. Nesse dia, aqueles que ainda respiram visitam o
que sobrou dos seus entes. Em alguns casos, nem o pó resta e as lembranças
seguem firmes. É dia de finados.
Antero se preparou para a visita.
Usa a gravata que sempre foi a preferida dela, como se isso ainda tivesse
alguma importância. O cemitério fecha às cinco da tarde. Restam 15 minutos e a
esposa ainda não veio. Antero espera.
Um jovem ao seu lado puxa assunto
por puxar.
- Veja que flor linda minha
mãezinha me trouxe. Ela sempre teve jeito com essas coisas.
Antero dirige um olhar
melancólico à flor e automaticamente espia o próprio túmulo. Ninguém mais lembra do Antero, somente a
esposa. E faltam 15 minutos.
- O senhor – pergunta o rapaz. –
não recebeu visita?
- É claro que recebi. – mente com
o cacoete de quem morreu faz poucos anos. – Era um tal de gente que não parava
mais. Muita ladainha pro meu gosto.
O garoto de vinte e tantos anos
olha triste para a lápida vizinha, desprovida de flores e velas. E chega mais
uma visita. O jovem sorri.
- Este fez faculdade comigo.
Gente boa. Gente muito boa.
O ex-colega fecha os olhos diante
do túmulo. O rapaz não ouve, mas entende. É saudade. O amigo volta a si, puxa
um cigarro do bolso, acende, traga, oferece com um sorriso triste.
- Aceita, Nelsinho?
O moço sorri, acha graça. Antero
pigarreia e tenta sentir o cheiro do tabaco.
- O que eu não daria por mais um
desses. – diz o velho e coça a garganta.
Um gato cruza o corredor das
lápides e arregala os olhos para Antero, saindo em disparada. O coveiro passa
avisando aos visitantes que os portões vão fechar. Antero dá de ombros.
- Foda-se. – resmunga. – Um dia
ela estará aqui, do meu ladinho.
(...)
Ruth seguiu a vida. Feliz com o
marido? Era, mas este também era, e como dito, a vida seguiu. A viúva tem fé de
que as pessoas de fato vão para um lugar melhor e aqui fica só o corpo, a
‘casca’, a roupa.
Por isso preferiu ficar na cama.
E não sozinha. Osvaldo acende um cigarro, o que a incomoda.
- Meu marido ia fumar na varanda.
– murmura.
- Quem? – fala Osvaldo, ainda
anestesiado pelo efeito do orgasmo.
- Ninguém. – Ruth silencia. Sente
então um calafrio que vem de dentro, um gelo que não saberia explicar. Cruza os
braços, leva a manta até o pescoço.
- O que eu não daria por uma boa
tragada. – diz o finado ao pé da cama, sem se fazer ouvir. Cai uma nesga de
cinzas sobre o lençol manchado.
Ninguém mais lembra do Antero.
Gustavo Ramos
Nasceu em 1982, na capital de São Paulo. Mudou com a família para Curitiba ainda na infância e começou a escrever peças de teatro em 2.004. No período de seis anos, escreveu mais de cinquenta peças teatrais que foram apresentadas por diversas companhias de teatro em vários estados. Ganhou prêmios de melhor texto conferidos pela Cena Hum (Academia de Artes Cênicas) e também pela Fundação Cultural de Curitiba.
Tem contos publicados em jornais e revistas e posta textos semanalmente em blog´s e sites, tais como tracasemcedilha.blogspot.com ; acontececuritiba.com.br. Lançou o livro "Dores crônicas que nem te conto". Atualmente cursa jornalismo.
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