Conto: Fabiano Vianna
Se não me engano, falávamos sobre as novas cadeiras e luminárias no
catálogo do estúdio holandês Droog*,
no momento que meu amigo Henrique Schroeder revelou conhecer um sujeito que
encontrou uma réplica do Aleph, de Borges, em uma de suas peregrinações pelas
feiras de objetos raros em Suez.
Como Henrique trabalha com importação e exportação de artefatos de
design, possui muitos contatos. O referido cavalheiro deixou claro que não era
o original, mas que possuía o mesmo poder de clarividência do elemento
primordial. E, que não era também, o tal escondido numa das colunas de pedra
que rodeiam o pátio central da mesquita de Amr, no Cairo. Parece que o tal
sujeito faleceu e, desavisadamente, sua família teria vendido o mítico objeto
junto com outras antiguidades do colecionador. Típico.
Na hora lembrei-me do que Borges vislumbrou olhando para este, porque não
dizer – Palantír**, do nosso mundo: “...
astrolábios persas, cartas obscenas, um adorado monumento na Chacarita,
bisontes, um baralho espanhol numa vitrina de Mirzapur e a lembrança do rosto
de Beatriz que o tempo aos poucos, parecia fenecer...”
“O Aleph é um dos pontos do espaço que contêm todos os pontos. O lugar,
onde estão, sem se confundirem, todos os lugares do mundo, vistos de todos os
ângulos.” (O Aleph, 122). “O olho que revela tudo, inclusive a quem o vê,
vendo.” (Tibério Santos – Aporias).
Pensei no poder que possui um artefato deste: saber o que pensa o inimigo
– aquele que cochicha pelas minhas costas, as artimanhas necessárias para
conseguir um “freela” numa agência grande, as palavras ideais para conquistar
meu chefe da editora – a desculpa perfeita para uma tarde livre num café, ou a
solução do enigma de como administrar o próprio escritório e pagar o aluguel em
dia...
Mas não vislumbrei apenas usos capciosos, mas também a possibilidade de
rever os melhores momentos com minha namorada, nos seis anos, juntos, morando na
mesma cidade. Os detalhes do café português na Galeria Tijucas – que já se
abrandam na minha memória, onde tivemos as primeiras conversas e contamos um
para o outro nossos causos fantásticos. O bar com a motocicleta “retrô”
incrustrada – onde nos conhecemos e assistimos a nossos melhores shows de rock.
O restaurante japonês na rua dos bombeiros – tão querido pela sua arquitetura
tradicional com mesinhas de madeira e gravuras orientais nas paredes...
Os prédios da cidade são engolidos e retornam reformulados de ano em ano.
Os bares mudam de donos e nomes. A cidade, que é como a memória, se esvai muito
mais rápido do que conseguimos apanhar.
Meu amigo me passou uns dois ou três endereços de antiquários que
possivelmente abrigariam o artefato. Anotei em meu Moleskine e perambulei, no
outro dia, pela cidade, a pé – como costumo e gosto de fazer diariamente.
Passei por todos os lugares, inclusive noutros, perto. A maioria das lojas desse
tipo se encontram no centro, entre a Riachuelo e a Paula Gomes.
Atentei para cada objeto circular, esferas, esculturas.
Na 13 de Maio, achei que tivesse o encontrado. Uma pelota escura
dentro de um baú. Mas olhei atentamente e não vi nada. Nenhum vislumbre,
nenhuma imagem do passado ou futuro se revelou. E aí o dono do antiquário me
falou que o item pertencia a uma velhinha chamada Amélia, de um casarão na
mesma rua. Fui embora frustrado. Juro que acreditei que fosse encontrá-lo.
Depois liguei para meu amigo Henrique e contei meu feito.
Só depois que me atentei para o fato que, talvez, o Aleph não possua
exatamente a forma circular que eu imagino. Lembrei que a ideia do objeto que
eu guardo na memória é equivalente a uma fotografia na capa da edição publicada
pela editora Globo, em 1969 ou de uma ilustração do Foca.
Nossa memória tem o costume de gravar certas imagens como se fossem
reais. Se eu tento lembrar as gravuras do restaurante japonês da rua dos
bombeiros, por exemplo, me vêm a cena de uma gueixa com um vestido composto de
flores de cerejeiras. Mas não sei se esta figura não corresponde à gravura de outro restaurante, o Mikado – na São Francisco, que eu frequento até hoje.
Talvez eu tenha passado pelo Aleph sem perceber. Pode ser que sua forma
não seja esférica ou elíptica como o Palantír,
afinal de contas. Ainda mais tratando-se de uma réplica. Pode ter a forma de
uma moldura, ou de um espelho. Poderia ter até mesmo a aparência de uma
pirâmide, como aquele peso de papel empoeirado que eu arrastei para ver fotos
da Rua XV em 1948...
Ou o homem que o possui, sabe de seus poderes, e me viu indo ao seu
encalço. Observou-me durante todos estes dias – desde a conversa com Henrique
sobre o catálogo Droog, às lembranças
de minha amada e a busca do objeto pelo centro da cidade.
* Droog (droog é uma palavra holandesa que
significa "seco") é uma empresa de design conceitual holandesa
situada em Amsterdã, Holanda.
** Os Palantír são artefatos mágicos do universo ficcional
criado por J.R.R. Tolkien.
Foca Cruz
Luiz Alberto Cruz, Foca, parnanguara, primeira lembrança na vida foi ver Neil Armstrong numa tv preto e branco andando feito um bobo na lua. Nessa época já existiam dinossauros e os carros de corrida na oficina do lado. O primeiro livro lido foi "Viagem à Lua" de Julio Verne. Ganhou do irmão pintor uma "Rotring" 0.3 aos 10 anos, daí em diante fodeu, pois logo ficou claro de fato que desenhar é como tocar violino em público: ou é muito bom ou da ânsia de vômito. Adam West. Também o do próprio: www.focacruz.wordpress.com
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