31 de mai. de 2012

(4) Por causa da editora que não gosta de literatura pulp

Texto: Fabiano Vianna
Fotos: Marco Novack
Estrelando: Dimis Sores, Carolina Fauquemont, Nika Braun & Wagner Corrêa
Arte: Marja Calafange
Figurinos: Day Bernardini
Maquiagem: Carol Suss
Assistente de Maquiagem: Grace Lee França
Apoio: Trio Luz

Agradecimentos : 
Raquel Deliberali, Ato 1 LabEugênia Castello Andrea Tristão







Parte 4

Mas aí aconteceu uma coisa que não estava nos meus planos. Mônica, a terceira da lista, era – pasmem – uma pessoa incrível, apesar de ter escrito vários romances chorosos dramáticos, entre eles a história de uma ex-BBB viciada em macarrão instantâneo. Ela me disse que gostava mesmo é de literatura pulp e ficou empolgadíssima quando mostrei minha coleção de fotonovelas de zumbis. Ainda me contou que fez teste para participar de um filme do Zé do Caixão nos anos oitenta e que a esqueceram numa cova durante duas horas. Eu sempre quis conhecer alguém que tivesse participado daquelas seleções.
O papo fluiu muito bem, falamos até sobre The Walking Dead, mas eu só conseguia pensar, durante o jantar, no calango que eu tinha pagado para forjar um assalto e enfiar uma faca no bucho dela. Ele nos esperava lá fora, escondido atrás de um poste. Eu tinha pagado quinhentos pilas adiantado, com a promessa de saldar o restante quando ele finalizasse a moça. O plano era perfeito, ia parecer um assalto seguido de morte.
Mas não imaginei que Mônica poderia ser tão bonita e gente boa. Estava certamente rolando um clima.
Tentei prorrogar ao máximo o jantar, pedindo vinho e sobremesa. Depois que terminamos o pudim, ainda pedi mais um cheesecake.
Ela, ainda por cima estava muito elegante, e usava sapato social masculino. Eu sou fascinado por mulheres que usam sapato social masculino.
Propus então que pegássemos um taxi, para que não nos molhássemos. Solicitei que o maître ligasse e o carro parou bem em frente ao restaurante, na Saldanha Marinho. Andamos rápido, mas o ladrão surgiu de repente, com faca na mão. Tive que me jogar em cima, o que lhe causou espanto. Ele dizia no meu ouvido: “Ei, isso não foi combinado. É para fingir que lutamos?”. Peguei a faca da mão dele e gritei para que Mônica entrasse logo no taxi. Ela correu desesperada e eu fui logo depois, respirando através da bombinha, com a faca do bandido em mãos. Bradei para o taxista: “Mete o pé porque quase fomos assaltados!”.
Disse o endereço para o motorista e Mônica ficou impressionada com minha bravura: “Não imaginei que um rapaz tão frágil pudesse ser tão valente. Muito obrigada, meu coração está batendo forte!”
Aproveitei o nervosismo para convidá-la a beber uma água e descansar lá em casa. Ela topou. No caminho passamos num posto para comprar algumas cervejas e eu comprei também um pacote de camisinhas, sem que ela notasse e enfiei no bolso de dentro do paletó. 


(continua...)

Fabiano Vianna 
Brasileiro. Nasceu em Curitiba, Julho de 1975. Formado em Arquitetura e Urbanismo. Trabalha como diretor de arte, designer, ilustrador e escritor. Como escritor expressa sua literatura na forma de fotonovelas. Lançou em Outubro de 2009 a revista de literatura pulp, Lama. Em Junho de 2011, lançou a Lama nº 2. Gosta de Moleskines, fotonovelas, charutos, lambretas, gravatas, noir e literatura fantástica. Não fica nem um dia sem o café tradicional das padarias do centro da cidade. Mantém também
 o blog www.contosdapolpa.blogspot.com. 

Marco Novack

Publica suas imagens no site: http://www.marconovack.com.br

30 de mai. de 2012

(3) Por causa da editora que não gosta de literatura pulp

Texto: Fabiano Vianna
Fotos: Marco Novack
Estrelando: Dimis Sores, Carolina Fauquemont, Nika Braun & Wagner Corrêa
Arte: Marja Calafange
Figurinos: Day Bernardini
Maquiagem: Carol Suss
Assistente de Maquiagem: Grace Lee França
Apoio: Trio Luz

Agradecimentos : 
Raquel Deliberali, Ato 1 LabEugênia Castello Andrea Tristão


Parte 3

Isabela Souza foi a segunda pessoa que eu matei. Até então, a queridinha da editora. Publicou quatro romances – o último conta a história de um amor não correspondido entre uma mulher e um orangotango. Podia até ser bom, se não fosse o linguajar poético romanesco. Tenho vontade de pulverizar cada um dos poetas que vagam pela XV com seus livretos Xerox e que me perguntam diariamente se gosto de poesia e eu respondo: “Prefiro Turma da Mônica”.
Eles parecem emergir de dentro dos bueiros, tipo jogo do Mario Bros. Andar no centro é um videogame – saltar ciganas, se esconder dos palhaços, ignorar estátuas vivas...
Marquei com Isa no Parque Barigüi – ela costumava correr todo final de tarde. Totalmente aparamentada com roupas de lycra e tênis futurista. E eu, completamente sedentário, tive que comprar um agasalho só para isso. Com tênis allstar velho, antiquado. Fingi ser um atleta, mas a cada cem metros tinha que dar uma aspirada de oxigênio na bombinha. Ela percebeu e até ficou preocupada, mas eu disse que naquele dia a asma estava atacada.
Então quando estávamos perto da região do lago onde eu sabia que o jacaré atacava, empurrei-a. Fiz parecer que ela havia caído acidentalmente. Gritei: “Meu Deus! Alguém me ajuda! Minha amiga caiu no lago. O jacaré...”. Felizmente em alguns segundos, o réptil devorou-a completamente. Os guardinhas municipais apareceram depressa, mas só conseguiram resgatar um dos braços, com IPOD acoplado. Eu forcei um choro e disse: “Que desastre! Que desastre!” Algumas pessoas vieram me consolar. Um dos guardas verificou o aparelho e disse: “Ui, ela gostava de Foo Fighters!”. E o outro: “O jacaré vai ter congestão!”
Daí juntou um monte de curiosos e uma viatura me trouxe em casa.
Antes de subir até o apartamento, comprei duas latinhas de cerveja, desta vez. Senti a mesma euforia, adrenalina correndo solta, enquanto os números do elevador se aproximavam do meu andar. Abri a blusa do moletom, sentei em frente ao computador e escrevi mais uma crônica. Depois mais uma, e a inspiração durou até de madrugada. Matar os escritores estava me fazendo muito bem. Se eu continuasse neste ritmo, logo teria um livro. Ou virava alcoólatra.


(continua...)

Fabiano Vianna 

Brasileiro. Nasceu em Curitiba, Julho de 1975. Formado em Arquitetura e Urbanismo. Trabalha como diretor de arte, designer, ilustrador e escritor. Como escritor expressa sua literatura na forma de fotonovelas. Lançou em Outubro de 2009 a revista de literatura pulp, Lama. Em Junho de 2011, lançou a Lama nº 2. Gosta de Moleskines, fotonovelas, charutos, lambretas, gravatas, noir e literatura fantástica. Não fica nem um dia sem o café tradicional das padarias do centro da cidade. Mantém também 
o blog  www.contosdapolpa.blogspot.com. 

Marco Novack

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29 de mai. de 2012

(2) Por causa da editora que não gosta de literatura pulp

Texto: Fabiano Vianna
Fotos: Marco Novack
Estrelando: Dimis Sores, Carolina Fauquemont, Nika Braun & Wagner Corrêa
Arte: Marja Calafange
Figurinos: Day Bernardini
Maquiagem: Carol Suss
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Raquel Deliberali, Ato 1 LabEugênia Castello Andrea Tristão





Parte 2


Esperei Fernando ir ao banheiro para borrifar estricnina no café. O problema é que sou meio ruim de mira e acabei molhando o livro que ele levou de presente para mim. Também porque, quando fico nervoso, tremo um pouco. Mas deu tempo de secar o tomo na minha blusa antes dele voltar.
Quando sentou, perguntou se estava tudo bem, e eu respondi que sim – foi só um calor repentino por causa da bebida. Eu suava muito e a cada sorvida de café que ele dava, eu tremia mais.
Antes de a toxina começar a agir, ainda conversamos mais um pouco. Ele me contou sobre seu último e sonolento livro, “Voa, voa, andorinha” e pensei que talvez fosse o antídoto para meu problema de insônia. Foi o exemplar que ele me deu, além de várias dicas de como escrever “grande literatura” e largar de vez o pulp. Eu poderia também usar o volume como peso para segurar a minha porta da lavanderia que está com problema na fechadura.
Inventei uma desculpa qualquer e vazei, antes que ele começasse a estrebuchar. Paguei minha conta, disse “quanto o admirava”, agradeci a paciência de se encontrar comigo, me despedi do “amigo” e caminhei em direção à Praça Osório, onde sentei num dos bancos. Cronometrei dez minutos e voltei até o Café.
Uma ambulância da ECO SALVA piscava vermelho e azul na frente, enquanto enfermeiros carregavam o corpo do escritor. Pensei comigo: “Não é que funcionou!” Um grupo de curiosos reuniu-se em volta e pude ouvir uma das pessoas falar “Era um baita escritor! O melhor da cidade. Grande perda!”
Escutar o comentário me deixou puto, mas não chegou a estragar o prazer que sentia. Antes de subir passei na Pizzaria Itália e comprei cerveja. Coisa que eu raramente faço, porque prefiro Yakult ou qualquer outra bebida. Mas não sei por que naquele momento senti vontade de beber “uma gelada” – como dizem os amantes da loirosa.
 Eu estava me sentindo muito bem, era como se eu tivesse sido ligado em duzentos e vinte. Fui dominado por uma súbita vontade de escrever. Paguei a bebida e subi até o apartamento.
Desfrouxei a gravata, abri a latinha e comecei a digitar imediatamente. Neste dia, escrevi minha primeira história de cotidiano: “A Andorinha capenga”. Segundo a editora, minha melhor crônica.
Descuido do ralo e a peneira entope de novo. Não sei quanto tempo fiquei olhando em direção ao nada. Odeio quando a água sobe e suja as louças. Por sorte não transbordou. Enfio a mão no meio da água com detritos boiando e libero a peneira para que a água escoe.
O resto da lasanha que esquentei no microondas quinta-feira passada se transformou num grude mutante colado no prato. Meto detergente e esfrego com Bombril. Então o pedaço se parte em vários fragmentos menores, escorrem com a água e se concentram na peneira do ralo para então jogá-las no lixinho. A massa desforme lembra-me a carne da escritora dilacerada pelas mandíbulas do jacaré. 




(continua...)

Fabiano Vianna 

Brasileiro. Nasceu em Curitiba, Julho de 1975. Formado em Arquitetura e Urbanismo. Trabalha como diretor de arte, designer, ilustrador e escritor. Como escritor expressa sua literatura na forma de fotonovelas. Lançou em Outubro de 2009 a revista de literatura pulp, Lama. Em Junho de 2011, lançou a Lama nº 2. Gosta de Moleskines, fotonovelas, charutos, lambretas, gravatas, noir e literatura fantástica. Não fica nem um dia sem o café tradicional das padarias do centro da cidade. Mantém também 
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Marco Novack

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28 de mai. de 2012

(1) Por causa da editora que não gosta de literatura pulp

Texto: Fabiano Vianna
Fotos: Marco Novack
Estrelando: Dimis Sores, Carolina Fauquemont, Nika Braun & Wagner Corrêa
Arte: Marja Calafange
Figurinos: Day Bernardini
Maquiagem: Carol Suss
Assistente de Maquiagem: Grace Lee França
Apoio: Trio Luz

Agradecimentos : 
Raquel Deliberali, Ato 1 LabEugênia Castello Andrea Tristão


Parte 1

Enquanto lavo a louça, lembro-me de como eu matei cada um deles. As imagens voltam em flashs, desordenadas – o veneno dissolvendo-se no café do velho; a carne da perua esportista sendo dilacerada pelas mandíbulas do jacaré, a minha falta de ar correndo na Saldanha Marinho seguida da aspirada na bombinha de oxigênio.
As migalhas concentram-se na peneira sobre o ralo. Por causa dos restos, lembro o que eu comi ontem. Como estava bom o strogonoff, pena que não tinha batata palha. É preciso esfregar com força as panelas, para limpar o molho que encrosta as beiradas. Para isso uso um produto desengordurante e esponja de aço. Passo com força nas panelas até que fiquem praticamente lisas novamente. Os restolhos que são capturados pela triagem eu arremesso no lixinho rente a pia, para que não entupa o ralo e faça a água subir. Eu odeio quando a água sobe, porque acaba sujando louças que não estavam tão sujas. E daí tem que enfiar a mão no meio da água com detritos boiando para liberar a peneira e a água poder escoar. Tudo isso por causa da editora que não gosta de literatura pulp.
Curitiba não é uma cidade de muitas editoras e a única que existe – chamada Aveia & Mel, não gosta do que eu escrevo.
Ela é a peneira que não deixa a sujeira escoar.
Já apresentei romances que considero fantásticos, como um que terminei a pouco tempo, chamado “Samambaias gigantes assassinas”, de uma história que se passa na Confeitaria das Famílias, onde os clientes são devorados pelas plantas enquanto tomam café. Deu um puta trabalho escrever este livro, passei meses frequentando o local, anotando as características dos clientes, e, é claro, aproveitei também para experimentar todos os doces.
A editora sugeriu que eu escrevesse um livro de crônicas. Mas como farei uma coisa dessas? Meu olhar já foi estragado pelo pulp. Vejo zumbis e monstros por toda a parte. E não estou me referindo à minha vizinha, a que passeia com poodles mutantes na Osório – parecem capivaras. Falo dos seres da imaginação mesmo. A realidade é muito bizarra, basta dar uma passeada pelos corredores do Edifício Tijucas ou ficar atento às lamúrias no elevador.
Tenho vários livros engavetados, morando ao lado de minhas pílulas soníferas. Entre eles um de contos chamado “Manual de sobrevivência a zumbis do Batel Soho”. São histórias de mortos-vivos Geeks que renascem no cemitério da Água Verde e caminham em direção aos shoppings, ansiosos por novidades da Apple. Não sei como a editora não gostou deste. Chego até a suspeitar que não esteja na cidade certa.
Incrível como o macarrão endurece e vira uma pasta grudenta quando seca. Fico imaginando esta gosma dentro do estômago. Borrifo desengordurante e abro a torneira da água quente. A fumaça me lembra do café do primeiro escritor que eu matei. Foi na cafeteria Metrópolis.
Decidi que a única maneira de ser editado pela Aveia & Mel seria eliminando todos os meus concorrentes. 

(continua...)

Fabiano Vianna 

Brasileiro. Nasceu em Curitiba, Julho de 1975. Formado em Arquitetura e Urbanismo. Trabalha como diretor de arte, designer, ilustrador e escritor. Como escritor expressa sua literatura na forma de fotonovelas. Lançou em Outubro de 2009 a revista de literatura pulp, Lama. Em Junho de 2011, lançou a Lama nº 2. Gosta de Moleskines, fotonovelas, charutos, lambretas, gravatas, noir e literatura fantástica. Não fica nem um dia sem o café tradicional das padarias do centro da cidade. Mantém também 
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Marco Novack

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21 de mai. de 2012

Espalha Esperma – Parte 4 (Final)

Texto: Detetive Linhares
Ilustração: Daniel Gonçalves




Pedro Ivo quase esquina com a Barão do Rio Branco. Hotel Naipi. Um moquifo que fica no meio da quadra e aonde as putas e os traficantes vêm brincar. A rua já estava do jeito que o Diabo gosta. Aquele monte de gente espalhada fumando pedra, tomando pinga direto no bico, e uma novidade: um cara vendendo salgados dentro de um isopor.
- Ô, Linhares, cê se importa de pagá um saldoga pra mim? É que tô numa larica desgraçada e...
- O que você pediu?
- Um saldoga. Na boa...
- Saldoga?
- É...
- E que porra é essa?
- Um salgado, detetive. Salgado, saldoga...
Às vezes, eu tenho certeza que o Fórtiunaine quer levar umas bicudas e não sabe pedir. Eu e a Jéssica ficamos olhando bem sério pra ele. Na verdade, eu caguei pra fome dele.
- Você entra e vai direto no segundo andar, enquanto eu revisto o primeiro.
- Tá, mas e o rango...
Entrei. A espelunca fedia ao mesmo tempo duzentos tipos de perfumes baratos diferentes. Eu gostei de uns quatro. A Jéssica reclamou do fedor. Coisas de mulher. A entrada da bodega é um corredorzinho minúsculo com um balcãozinho e um idiota atrás. Cheguei no balcão e fui...
- Daê. Casal é trintão. Quarto 212, segundo andar.
- Dêxa eu entendê. Você tá insinuando que...
- Olha aqui meu rapaz, tuas opções são problema seu. O quarto é o 212, é trintão adiantado, e você tem quatro horas pra brincá com o magrelinho.
Eu escutei o cara até ele terminar a última sílaba. Ficamos em silêncio por alguns milésimos de segundo. Não fiquei puto. Muito pelo contrário. O cara tinha acabado de me dar uma idéia. Dei os trinta reais pro dono do hotel.
- Ok. E tem uma cervejinha no quarto?
- Posso levá. Quantas?
- Tsca... sei lá... umas... quantas você qué, nenê?
O 429 ficou com cara de paisagem.
- Desculpa, moço, mas acho que ele emocionou. Leva uma caixinha.
- Tá bom. Mas, daí, é mais vintão.
- Ok. Tá aqui.
Entreguei o dinheiro, peguei a chave, e subimos. O Fórtiunaine levou mais uns minutos pra entender a parada. Entramos no quarto. Cheirinho agradável de lavanda mofada, mas nada de baratas nem de caras desenhados no chão. Quartinho...
- Bacana! Gostei. Deve ter umas pedrinhas perdidas pelo chão.
- Porra, 429. Tira a fuça do chão e presta a atenção.
- E que porra foi aquela, hein, Linhares?
- Escuta!
- Cê nunca vem aqui, mas eu sou conhecido na região, e depois os cara vão pensá que eu tô escapando a quarta e...
- ESCUTA CARALHO!
TOC TOC TOC!
- Tudo bem, aí dentro? Vô dexá as béra aqui na porta. Só não quebrem a porra do quarto!
Pelo menos o 429 ficou quieto.
- Vâmo fazê o seguinte. Desce no primeiro andar e dá uma vasculhada nos quartos. Eu faço isso aqui em cima.
- Tá, mas...
- Pega meia caixa de cerveja e diz que veio entregá o tróço... sei lá... inventa... improvisa, porra!
Ele ficou me olhando meio desconfiado.
- Mas eu não tenho uma arma, nem nada, e se o cara me atacá?
- Aí você grita e eu vou te salvá, baby.
Hahahaha!!!
Rimos um pouco, mandamos um negocinho pra melhorar a visão sobre as coisas e saímos do quarto. O Fórtiunaine desceu as escadas e eu fui em direção ao primeiro quarto. Vazio. O segundo, também. No terceiro, gemidos. Abri a porta como quem não quer nada.
- Boa noite. Serviço de quarto.
Tinha um cara amarrado na cama com uma meia na boca e um travecão de um metro e noventa brincando de playground com o corpo dele. Muito legal a cena. O cara veio até a porta. Agradeceu. Pegou as cervejas e voltou pra cama. Nem fez questão de fechar a porta. Abriu uma latinha. Tomou um gole e o resto derramou no corpo do cara que tava deita...
- Delegado Alvarenga! Quanto tempo? Que situação, hein!
O travesti deu um sorriso e fez um sinal com a mão pra que eu saísse. Respeitei o casal e fui saindo de fininho do quarto. Então, no andar de baixo um grito estridente. Parecia que alguém estava enforcando um rato. O 429. A Jéssica pulou pra minha mão e em meio segundo eu estava no andar de baixo encostado numa das paredes ao lado da porta escancarada de onde tinha vindo o grito.
- Não, não, por favor!!!!
A voz do Fórtiunaine meio amassada, como se a cara dele estivesse sendo esfregada no travesseiro. Botei a cara na porta e tinha um cara arrancando a roupa dele, mas não era o Espalha Esperma.
CLÉC!
A cena congelou. Entrei no quarto. Tirei o cara de cima do 429. Joguei o rato pra fora do quarto. Levei o grandalhão-espertão-metido-a-besta até o banheiro e enfiei a cara dele na privada, dei a descarga e larguei o corpo lá. Tinha uma moça caída no chão. Recoloquei-a na cama e saí do quarto. Tudo voltou ao normal. O Fórtiunaine ainda estava bastante assustado, mas ficou tranqüilo quando viu que estava fora do quarto. Eu pedi pra que ele esperasse por ali mesmo, num banco que tinha no corredor enquanto eu procurava pelo estuprador de verdade.
Mandei um pó mágico pra entender melhor a situação. Tirei o chapéu. Segurei a Jéssica contra o peito. Respirei fundo. Fechei os olhos...
Quarto 109
- Quarto 109.
- Quarto 109?
- Sim, quarto 109.
- O que tem no quarto 109?
Nessa hora eu contei pro 429 o que tinha acontecido. Ele não acreditou. Mas foi bem assim que eu prendi o Espalha Esperma.
Engatilhei a Jéssica e meti o pé na porta. O cara estava sentado vendo Atlético e Paranavaí na televisão, tomando uma cerveja, enquanto uma moça que batia com a descrição que eu imaginava, chupava seu pau. Eu não sabia se era a moça ou não, mas sabia que era o Espalha. Quando ele me viu deu um pulão pro lado da cama, perto da janela, e sacou um .38. Eu me joguei no chão, do outro lado da cama, perto da porta. A menina se jogou na frente da cama, perto da TV. Ele deu o primeiro tiro. Acertou a porta atrás de mim. A menina deu o primeiro berro e correu pra dentro do banheiro. Ele deu o segundo tiro. Pegou na parede em cima da escada, do lado de fora do quarto. A Jéssica começou a me cobrar alguma atitude. A menina deu o segundo berro. Então, pensei bem rápido.
“A cama é fechada na parte debaixo, então, se eu der um tiro por aqui, o tiro vai entrar na madeira, vai viajar os dois metros por debaixo da cama, e se tiver um pequeno desvio e uma pequena perda de velocidade, o impacto não vai matar, só aleijar. Pode ser que eu acerte o joelho. E vai doer.”
PAM!
O cara deu um grito do outro lado da cama. Levantei do meu esconderijo. Ele também. Botei um pé em cima da cama pra voar no pescoço do cretino e ele se apoiou na janela. O tiro pegou na coxa esquerda. Fiz mira com a Jéssica. Ele se jogou pela janela. Atirei e pegou bem no parapeito, perto da perna direita do Esperma que voava Pedro Ivo abaixo. A moça gritou pela terceira vez. Corri até a janela e ele estava terminando de estatelar no chão. Mandei o 429 correr pela escada e me atirei em cima do cara. Pulei como quem se joga de um bungee jump sem corda. Enquanto eu caía em cima dele, só deu pra ver no fundo dos seus olhos um profundo desprezo pelo que estava pra acontecer. Mirei bem no joelho.
CRASH!
Do primeiro andar a queda não foi muito alta, mas foi o suficiente pro joelho dele virar sagu. O berro foi ensurdecedor, mas já estou acostumado com isso. A Jéssica riu. O 429 chegou lá embaixo.
- Ôrra, Linhares, por um momento eu não acreditei na história que você me contou.
- E a menina?
- Tá trancada no banheiro ainda. Qué que eu veja lá?
- Claro, né, Fórtiunaine!
O Inércia por sorte estava estacionado bem na frente do Hotel. Joguei o Espalha Esperma no banco de trás. O 429 apareceu com a menina.
- Eu cuido dela, Detetive.
O safado desmaiou. Acho que foi de dor ou por ter perdido sangue demais. Não me importa. Levei-o até o Parque Barigüí, lá naqueles cantos onde há algumas churrasqueiras. O céu tinha limpado. Estava frio naquela noite, um frio cinza e mórbido. As estrelas relampejavam nos meus olhos feito pó de pirlimpimpim. Lua cheia. Entrei no meio do mato com o corpo do Espalha Esperma. Alguns caras já esperavam por mim. Pareszinhos de olhos em cima das árvores, atrás de arbustos, como se fossem vaga-lumes acendendo aqui e acolá. Alguns amigos que fiz durante as minhas caçadas por Curitiba. Animais sedentos por carne. Lobos. Do nada, veio uma voz.
- E aê, man, quanto tempo?
- Tá aí, Flores. Como prometido.
- Você não vai ficar pro jantar?
- Hoje, não. Preciso dormir.
- Hehe. É isso aí, man. Você está parecendo um zumbi.
- Mande notícias.
- Mando sim.
Eu já tinha me virado pra ir embora. O Florestano me chamou.
- Man! Quase me esqueci. Olha só o que eu trouxe pra você!
“Revista Lodo nº2”
- Acho que você vai gostar.
Meu sorriso amarelo reluziu com a luz da lua. Os lobos começaram a descer das árvores. Juntei a Lodo debaixo do braço e fui indo embora devagar, contemplando o barulho dos dentes daquelas criaturas rasgando a carne daquele idiota, e os berros de agonia que ecoaram naquela noite no Barigüí.
Na manhã seguinte, as capas dos jornais estampavam em letras garrafais: “Berros no Barigüí”, “Assassinato?”, “Medo e dor na noite curitibana”.
- Mais um café, Detetive?
- Não, Tony, obrigado. Vou dormir um pouco.

Detetive Linhares
Seus textos e contos podem ser visualizados no site: detetivelinhares.blogspot.com.br

Daniel Gonçalves
Radicado em Curitiba, casado com Amarilis e pai de Leon, Layla e Alice. Teve toda sua vida permeada pela paixão à literatura, artes visuais e música.  Atual editor da revista LODO e co-editor da revista LAMA.
Paralelamente aos trabalhos artísticos, desenvolve projetos de arquitetura e design. 
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.danielgoncalves.art.br.  

19 de mai. de 2012

Espalha Esperma – Parte 3

Texto: Detetive Linhares
Ilustração: Daniel Gonçalves



Dez minutos depois eu já estava na esquina do Blues.
- É o seguinte, Jéssica, não vâmo esperá uma hora. A gente vai entrá por conta própria e vê o que acontece.
- Como sempre, não é, Detetive?
- Exato. Como sempre.
Havia muita gente na frente do bar. Latões de lixo com óleo diesel pra esquentar os mendigos que se juntam por ali em busca de algumas migalhas; cuidadores de carros enrolados em mantas cinzas, semi corcundas por causa do frio; uns tantos quantos, homens, mulheres, seres que não se pode mais distinguir nem sexo, nem cor, e todos encostados nas paredes esperando por zumbis em busca de prazer, de satisfação plena. Bêbados, viciados, vampiros, putas se equilibrando em saltos altos minúsculos, e eu parado na esquina com a Jéssica, decidindo o melhor momento de entrar nessa zona de guerra.
- É isso aí, Jéssi. Eu já tava com saudades.
- Hihi, eu também, Linhaça. Tá esperando o quê? Vâmo lá.
- Beleza.
Dei o primeiro passo e um calafrio subiu do tendão de Aquiles até a jugular. Senti as veias inchando. Pressão total. Eu gosto disso. A euforia queimando a pele feito combustível. A pupila retraindo, a tensão tomando conta do corpo. Fico melhor assim é o butcher, man. É um estado que pra muitas pessoas é prejudicial por causa do coração e todas aquelas balelas médicas, mas aqui a barra é pesada, a coisa é mais profunda. É como aqueles carros de filme estilo Mad Max, sabe? larga ela, linhaça Motorzão barulhento, uma dúzia de pistões batendo no cabeçote rebaixado, fogo saindo pelo escape, a câmera pegando o olhar do mocinho em contraplano ao do vilão, e não sei porque, só lembrava da primeira estocada mas nessa hora sempre toca um rock.
- Você é muito romântico, Linhaça. Acaba de uma vez com isso. Já tô me coçando toda aqui dentro.
- Ok.
Pó mágico pra mim e pra Jéssica pra entrar no canal...
- Dá um teco, aê, irmão!
- Hã...oi...desculpa...
Dois caras chegaram do nosso lado pedindo pó. ela foi parar na UTI Eu me fiz de morto pra comer o cu do coveiro.
- É isso, aê, racha com nóis a parada aê cara.
- Vocês vão me desculpar, mas é da minha mulher e ela não gosta muito que eu fique dividindo o pó dela com pessoas estranhas e...
- Olha aqui, bróder...
Hahahaha!!! Vocês não vão acreditar! Um deles puxou uma faca! Hahaha!!! Eu acho muito engraçado quando eles fazem isso!! Parece comédia stand-up, sabe? Hahaha!!! O cara para na tua frente, puxa uma faca e conta uma piada!! é o butcher, man Hahaha!!! Muito bom isso...ai ai... A Jéssica já estava se contorcendo toda dentro do casaco.
- ...é melhor cê entregá o baguio pra nóis, tá entendendo?
- Senão a treta vai caí pro teu lado, magrão... ééé...
Parei de rir. A Jéssica parou de se mexer. Tudo ficou mudo de repente. Aqueles dois idiotas se movendo. Pictocoreografia. Num movimento a Jéssica pulou pra fora do coldre e se enfiou na boca do safado da esquerda. Eu grudei o outro cara pela garganta.
- Vô arrancá teus olhos.
O cara começou a berrar. você é um cara procurado Enquanto isso a Jéssi quebrava uns dentes do outro magrão.
- Ei, ei, Detetive! Mas o que é isso? Dêxa os cara na paz!
O Fórtiunaine arrancou meus dedos de dentro do globo ocular daquele imbecil. A Jéssica ainda insistia que devia fazer umas obturações no outro idiota, mas o 429 pediu com carinho e ela saiu lá dentro com um apenas um dente no cano. a tua consciência Os caras saíram correndo.
- Ô, Linhares, qualé meu velho? Vai chegando assim, metendo bala nos cara aê... Pega leve, irmão. Faz uma cara que você não chega aqui presses lado. Vai de leve, bróder.
A minha mandíbula estava tão travada que eu não conseguia pronunciar sequer uma palavra.
- Vâmbora daqui. O cara que você tá procurando não tá aí. Pega o carro e eu te levo até ele.
Fomos até o Inércia e saímos em direção ao Largo da Ordem. como cantar na chuva O Fórtiunaine veio comigo. Ele fala pra caralho, mas eu não conseguia entender o que ele estava falando. Agora, eu só queria saber do estuprador.
Paramos na esquina do Fire Fox, um bar de motoqueiros nas Ruínas São Francisco. É um boteco bacana com mesinhas espalhadas pela calçada. Sempre está tocando um rock’n roll no último volume. Me lembro que a gente sempre vinha aqui quando eu era piá. A piazada sempre vinha fumar maconha presses lados com os hippies que vendiam bugigangas. Ficávamos sentados até altas horas fazendo nada e falando bosta nenhuma. você é trazido pra esse mundo Só no rock.
- Come here, detective.
Segui o 429 até uma das mesas externas onde dois caras estavam nos esperando. Ele cochichou no meu ouvido.
- Eles disseram que viram o cara aqui no bar com a menina faz uma meia hora.
Bem mal encarados os rapazes. Esses caras que tentam botar medo fazendo cara feia e se vestindo feito mestre-sala e porta-bandeira. Os dois estavam com os narizes bem empinadinhos. Respirei fundo. A Jéssica estava bem louca dentro da jaqueta.
- Cadê o cara?
- Cadê a grana?
- Ééé...o teu amiguinho falou num tal de duzentão, aê.
- Ok...
Suspirei de saco cheio. te ofereço minha alma Meti a mão no coldre. A cena ficou tensa. O 429 sacou que eu ia puxar a Jéssica e interveio.
- Então, galera, eu não falei bem isso... é que uma ajudinha... sabe comé que é nééé, detetive...
E deu aquela piscadela com o olho direito.
- Cê sabe que eu odeio quando você faz isso!
- Isso o que?
- Caralho, man! Porque você sempre tem de piscá essa porra de olho quando tá falando merda, hein?!
- Péraê, man. Eu só tava falando que...
- Cê qué que eu te meta uma porra de uma bala no cu, é, 429?
- Não, não...
- Então porque você não vai tomá no teu cu gordo, hein, caralho?!
O caldo estava engrossando pro lado do Fórtiunaine. O mais gordão levantou e foi tentar falar alguma coisa. A Jéssica riu.
- Senta!
Ela voou na cara dele. As mesas do lado fizeram silêncio por alguns segundos. O clima esquentou por um instante. A Jéssica depois me contou que a minha voz já tinha ficado com aquele tom engraçado, de quem parece que está falando com bolinhas de gude na bochecha.
- Cadê o cara?
- Ei! Péraê, cara...
CLÉC!
Adoro esse barulhinho. levanto de manhã A Jéssi pulava de alegria.
- Um...
- Calminha, aê, detetive...
- Dois...
- Ô, meu irmão...
Sim, os caras já tinham se cagado nas calças.
- Três!
O gordão abaixou a cabeça e cobriu os olhos com as mãos, depois soltou um gritinho agudo que junto com o som alto mais me pareceu uma microfonia. O magrinho já tinha virado paçoca debaixo da mesa. a cabeça cansada O 429 ria. A Jéssica urrava pra que eu apertasse o gatilho. Mas não foi o que aconteceu.
- Escreve aí no guardanapo onde tá o cara.
- Tá bom, tá bom...
- Mas por favor não mata a gente.
O Fórtiunaine foi filar um cigarro na mesa do lado com umas gatinhas. O cara gordão escreveu no guardanapo.
- Ô, Detetive, foi mal, mas é que eu tava pegando um cigarrinho com as meninas ali... inclusive uma delas gostou de você e depois a gente podia dá uma relaxada... que cê acha?
Tinha um endereço de um mocó escrito no papel. Um motelzinho na Pedro Ivo, pertinho da Rui Barbosa. Eu conheço o lugar. Uma vez eu e o Lufus fizemos um filme lá.
- Bóra, man.
- Pô, mas e as minas...

Detetive Linhares
Seus textos e contos podem ser visualizados no site: detetivelinhares.blogspot.com.br

Daniel Gonçalves
Radicado em Curitiba, casado com Amarilis e pai de Leon, Layla e Alice. Teve toda sua vida permeada pela paixão à literatura, artes visuais e música.  Atual editor da revista LODO e co-editor da revista LAMA.
Paralelamente aos trabalhos artísticos, desenvolve projetos de arquitetura e design. 
Seus trabalhos podem ser visualizados no site www.danielgoncalves.art.br.