Conto: Detetive Linhares
Encontrado
o braço esquerdo de uma das vítimas. Uma estátua de um pássaro negro colocada
rente às pontas dos dedos é um enigma para a Polícia Militar. O braço estava
intacto, sem marcas de luta ou de briga. O que mais impressionou os detetives
foi a precisão cirúrgica do corte.
Isso é
coisa de profissional, entende. Não estamos lidando com um simples batedor de
carteiras. Mas quem o senhor acha que pode estar por detrás desse assassinato?
A senhora acha que se eu soubesse eu estaria aqui sentado falando com os
jornalistas?
Veja a cara
do Fronza. Parece nem aí pro negócio
Como é que
você sabe?
Conheço o
figura. Já me deixou na mão duas vezes.
Você acha
que
Acho que o
Tavares já deve ter deixado um recado no escritório pedindo pra gente resolver
isso
Será que a MC
sabe de alguma coisa?
Sempre sabe
Os três
corpos foram encontrados todos na mesma noite com a mesma marca: estavam todos sem
os braços esquerdos, retirados do corpo cirurgicamente. Ao que tudo indica foi
o mesmo assassino do braço que a polícia encontrou no final da tarde de ontem.
Os detetives ainda parecem perdidos.
Estacionamos
o Inércia na Saldanha Marinho, na frente do Bar Kapelle. Subimos até a esquina
para averiguar o local, e tudo parece normal, como de costume. Entre olás e
como vais, achamos a MC sentada embaixo da fonte da Gabriela e do Belarmino
bebendo um pouco de água.
meus
questionamentos deverão estar aquém das cirurgias tenho de guiar a percepção da
polícia até mim o espetáculo só estará completo ao último pôr do sol do fim de
junho o vento que soprará sobre o último corpo deverá ser o meu sopro
Humm...
olá, dititititive. Saudadis di mim?
Não começa.
Preciso saber se você ouviu algo sobre o cara que anda cortando braços por aí.
O tom
nasalado da voz dela sempre me deixa irritado. E eu sei que ela faz pra me
provocar.
Olha,
dititive, cê sabe que eu sempre sei de alguma coisa, né gato.
Então entra
na viatura e vamos pro IML dar uma olhada nos corpos.
Catei-a
pelo braço e a fui levando pro Inércia, mas o braço dela é bem mais forte que o
meu. Ela se chacoalhou e se desvencilhou de mim.
Olha, aqui,
bonitão! Cê sabe que meu negócio não é com caras armados.
Os lábios
grossos de silicone babando essas palavras e respingando sobre mim. As narinas
secas sem pêlos. Os olhos fundos e negros. A cabeleira loira e longa. Tem
alguma coisa nela que me atrai, mas minha repugnância é maior do que meu
desejo.
Cê podia tá
sendo mais gentil, né gostosão? Faz tempo que a gente não si vê.
Porra, man,
vamos logo. Ela tá muito louca.
Os corpos
foram encontrados boiando no Rio Iguaçu. Estavam nus e não aparentavam nenhuma
marca de combate. Especula-se que seja o mesmo matador que infernizou a polícia
em 1982 no caso dos Meninos do Aeroporto.
mantenho a
minha fé intacta sirvo ao propósito maior nunca baixar a guarda lutar até a
queda do último soldado
Parece que
o assassino deixou a estátua apenas para nos distrair. Porque a PM não pede
ajuda pra outras forças policiais? Estamos com todos nossos homens na rua,
minha cara. Me parece que isso demanda o
apoio de forças de outros estados. Gostaria que os senhores deixassem as
especulações para os investigadores.
Detetive
Linhares
É o
Tavares, man. Preciso que você
Já tô no
IML
Não temos
nada. Alguma coisa?
A MC está
sobre os cadáveres. Faz quinze minutos que ela tá tocando os corpos, cheirando,
se aprofundando na alma de cada um. Mas ela está com medo.
sombra
erga-me revela a sua face sou seu servo sangue suor sal degenera refaz constrói
abriga no decrépito o novo segredo sombra erga revela a face sou seu servo
sangue suor sal degenera refaz constrói no decrépito o segredo sombra erga
revela face sou seu servo sangue suor sal abriga sombra revela face sou sangue
sal constrói abriga o novo sombra face sangue sal abriga sombra sangue sal novo
abriga sombra sangue sal abriga sombra sangue sal sombra sangue sal sombra
sangue sal sombra sangue novo sombra sangue sal sombra sangue sal sombra sangue
sangue sangue sangue sangue sangue
Parque Barigüí
Parque Barigüí
Ei, man,
olha lá
O
arrancador de braços
Espere. Não
vá lá. Não estamos aqui
Ele está
arrastando o corpo do IML
Vamos
segui-lo
Passamos
duas horas caminhando pelos bosques do parque até chegarmos na beira de um rio.
Um pássaro desceu de uma das árvores tomando a forma de uma mulher. O mesmo da
estátua. O homem largou o corpo e ficou ali parado. Corcunda feito um servo.
Olhos vidrados. Uma espessa camada de pedra brita lhe cobre o corpo. A mulher
corta o braço esquerdo tocando-o. Aponta para o coração. Coloca a mão do braço
cortado sobre o peito da vítima e a vida é sugada do corpo. A cor de suas penas
mudam do roxo pro amarelo. O servo atira o corpo ao rio. O braço é deixado no
chão. Ao lado, a estátua do pássaro.
Saímos do
IML em direção ao escritório. Analisamos nossas ideias. Fumamos um cigarro de
haxixe. Jogamos uma partida de xadrez bebendo rum. Voltamos para a rua fazendo
anotações. Por baixo do céu, nuvens escuras e espessas. Desabamento de pessoas
na Rua XV. Dentro da Biblioteca Pública a resposta. O delegado Tavares nos
esperava há alguma horas na frente do Bar do Tony. Entregamos a ele um envelope
com a receita do crime.
Está tudo
aí
Sim está
tudo aí
Não temos
mais com o que se preocupar
Sempre
temos
Uma coisa a
menos
Sim uma
coisa a menos
Me esperam
para a coletiva
Todos esperam
uma coletiva
Então me
vou
Vá
Escute os
ecos, Jéssi
Agora eles
fazem parte de nós
Vamos
voltar
Quero olhar
o céu mais um pouco
O primeiro
pingo de chuva espatifou no meu olho e não consegui ver mais nada.
Detetive Linhares
Seus textos e contos podem ser visualizados no site: detetivelinhares.blogspot.com.br
Outros trabalhos: www.zansky.com.br
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