7 de ago. de 2015

Mãe da Lua

Conto: Eduardo Capistrano
Ilustração: Daniel Gonçalves


Somos os únicos habitantes desta casa decrépita. Eu e meus filhos. Eles bicam meus seios, e sorvem os filetes de sangue, apenas o suficiente para lhes dar força para voar. Abro a janela por força do hábito, pois o telhado destruído inunda o sótão com a luz da lua cheia. Deixo que voem na noite, que visitem os dormentes em seus leitos, devorem seus sonhos, e me tragam despedaçados anseios, cacos de segredos, medos esmagados, para que eu também sacie minha fome...

30 de jul. de 2015

A Maldição da Mula

Conto: Maurício Fregonesi Falleiros
Ilustração: Sheilla Liz



A batida veio do sótão. Ele não deu a mínima. Outra batida. Continuou imóvel. A terceira batida o deixou puto da vida. A quarta fez o homem levantar do sofá. 
Parou em frente a porta do sótão. Ouviu outra batida – “Puta que o pariu.” Chutou a porta para abri-la. Foi o suficiente. Era conhecido como Rob “La Mula” Romero nos antigos campeonatos locais de lucha libre.
Procurou o interruptor. A luz se acendeu antes que sua mão encontrasse o botão – “Mas que porra é essa?” 
Mais uma batida. Vinha de uma caixa de madeira. Pegou o pé de cabra encostado na parede. Bateu seis vezes com o pedaço de ferro no cadeado. Com a mão esquerda levantou a tampa. Dentro, apenas o uniforme cor de chumbo de La Mula. 
Sentiu uma mão pesada pousar no ombro. Desvencilhou. Desferiu nove ou dez golpes com o pé de cabra em direção àquele – ou àquilo – que o tocou. Não sentiu impacto algum nem ouviu qualquer ruído – “Maldita erva barata.”
“Você sabe que não pode me tocar, Rob.” 
Romero soltou o pé de cabra – “Você deve estar muito na seca pra me procurar depois desse tempo todo. Faz o quê, quatro anos desde a última vez?”
“Cinco. E eu não sou de deixar dívida pra trás.”
“Já deve ter achado alguém pra ocupar meu lugar.”
“Quem tem que achar esse alguém é você. Vamos acabar logo com isso, Rob. Você sabe que não sou exigente, qualquer uma serve. Inclusive a sua.”
“A minha não vale muita coisa, mas não estou em condições de barganhar agora.”
“Acho que algumas coisas do passado terão que ser desfeitas, então...”
“Não. Isso, não. Eu vou conseguir o que você quer.”
“Rápido, por favor. Não é algo fácil, eu entendo, mas já está ficando chato. A sua ou a de alguém que você me encaminhar, tanto faz. Mas tem que ser rápido.”
Nova batida. Essa veio da porta da frente. Conchita chegara para a faxina semanal.
“Soou o gongo, La Mula...”


2 de jul. de 2015

Barba ruiva

Conto: Diego Fortes
Ilustração: Francisco Gusso


Estou de pé. No sótão da casa. Minha casa? Sim, minha casa. Não tenho dúvida... Estou de pé no sótão fazendo o quê? Estou em minha cama. Ouço barulhos. Estalos que vêm de cima. Pantufas. Há um vulto na sombra. É um manequim. Não é um manequim! Está se mexendo! Faz sol. Estou no quintal. De pé. Vejo alguém que me olha da rua. Barba ruiva volumosa. Estou na rua. De pé. Vejo alguém que corta grama. É noite. Uma claraboia sem tranca. Múltiplos cortes. Sangro. Ele. Não sou eu quem sangra. De pé. Com uma faca vermelha na mão. A barba molhada. Não. Esta não é minha casa! Aconteceu de novo. 

15 de jun. de 2015

Comida rápida

Conto: Maíra Valério
Ilustração: André Ducci



Ao lado do Colégio Santos, perto da quadra de esportes do bairro. Sim. Do lado esquerdo. É lá que Soraia estaciona o carrinho. Uma moça baixinha, quase bonita. Muito calada, mas os olhos parecem já ter visto bastante. Faz o melhor cachorro-quente da cidade. Pode confiar, vou lá sempre. O quê? Não, nunca passei mal. A molecada vibra esperando ela chegar. A salsicha é meio durinha, cozida com um molho especial. Mais consistente, engancha nos dentes. Tem que mastigar bastante. O tamanho varia, não sei o porquê. Soraia nunca ri, só quando você pede pra ela fatiar o lanche no meio. É uma moça peculiar: confidenciou-me que estoca a matéria-prima no sótão de casa. Diz que conserva melhor. Pois é, não acabei de falar que ela era peculiar? Passa o dia ouvindo programa policial em um rádio velho de pilha. Ultimamente só rola notícia sobre os rapazes da região que estão desaparecidos. Ahn? É mesmo. Talvez ela esteja em busca de algum namorado perdido. Aparece lá. Ela dá pro gasto. E cozinha bem. Mas ontem ela não foi. Tenta amanhã.


11 de jun. de 2015

Casa Velha

Conto: Daniel Gonçalves
Ilustração: Raro de Oliveira


O acesso ao sótão ficava no quarto, onde eu dormia, quando passava o fim de semana na casa dos meus avós.
Eu deitava, cobria minha cabeça com o cobertor e tentava dormir antes de ouvir os passos descendo a escada. Raramente eu conseguia. A luz do abajur projetava na cama a sombra de alguém caminhando. Nunca tive coragem de espiar quem era aquele que vinha do sótão e saía pela janela.
Na última vez que dormi na casa velha, eu havia acabado de deitar quando minha avó entreabriu a porta do quarto, chamou-me e fez uma pergunta qualquer. Ao respondê-la, percebi que havia alguém atrás da porta, que se fechou antes que eu pudesse me esconder sob as cobertas. Fiquei sentado na cama, olhando fixamente para o vulto:
– Vóóóó! – gritei no auge da agonia.
O vulto aproximou-se:
– O que foi meu querido? Deite-se, você precisa dormir – parecia ela, porém sem os olhos. 




8 de jun. de 2015

Caetanos no sótão

Conto: Fabiano Vianna
Ilustração: Igor Oliver



No começo, quando os primeiros apareceram eu me assustei um pouco. Não é das coisas mais confortáveis do mundo topar com um Caetano passando pela sala em direção à escada do sótão. Alguns, de vez em quando, esboçam um bom dia, boa tarde, ou não. Mas nem todos. Os mais rabugentos até reclamam da altura da televisão. Munidos de violões, tranquilos e infalíveis – como Bruce Lee. Não sei como cabem tantos Caetanos lá em cima. A laje deve ser grossa. Ensaiam canções. E eu, que sempre gostei do silêncio. Pintar aquarela também não dá... Agora eles estão por todos os lugares. Não só no sótão. Na cozinha, no estúdio, sobre o criado-mudo do meu quarto, na geladeira. Devoram as bolachas, fazem café, comem as provisões. Estão pela casa toda. Aqui mesmo, ao meu lado. Acotovelam-se, apertados. Disputam os espaços restantes entre um e outro Caetano. São tantos que eu preciso pedir licença para ver a tela.

3 de jun. de 2015

Cecília

Conto: Rafael Pesce
Ilustração: Daniel Gonçalves




Pela pequena janela circular o sol adentrava naquele sótão. Minúsculas partículas de poeira trafegavam pela luz, como se estivessem sendo abduzidas para o mundo exterior. Uma cama, desnuda de lençóis e sem o ranger das precárias estruturas de ferro, estava localizada logo na entrada. Um pônei de madeira jazia, imóvel, no outro lado, sem ter mais com quem brincar. A caixa de música, que costumeiramente enchia o ambiente de alegria, trancava-se em solidão. As roupas, antes banhadas pela claridade e pelo vento, estavam esquecidas em um velho armário. Os brinquedos, jogados de forma aleatória, tornavam o chão irregular. Mas no centro de tudo estava ela, Cecília, abandonada pela vida e pela sanidade do pai, que a deixou na escuridão daquele baú.


 


27 de mai. de 2015

Intruso

Conto: Eduardo Capistrano
Ilustração: Isabele Linhares



Corre. Corre. A escada, sobe, rápido. Feche o alçapão. O baú, em cima dele. O homem está vindo. Onde se esconder? Nas vigas. Suba nas vigas. Um estrondo. Está batendo no alçapão. O baú aguenta pouco. Novas batidas. O alçapão escancara. O cano da escopeta aparece primeiro. Se esconda. Não tem como ficar ali pra sempre. Minha casa. O homem está em minha casa. Não consegue esquivar do facho da lanterna. Abre seus 2...4...6 braços, tenta assustá-lo. O tiro de escopeta arrebenta um dos braços longe. Agarra-o com os restantes. Fecha as quelíceras ao redor de sua cabeça. A lanterna o atinge do lado da cabeça. A coronha da escopeta. Um tiro no peito. Rasteja, vazando ícor, seis mãos esticadas para os ovos, na teia no canto do sótão, de onde pendia, ressecada, a família do homem.

22 de mai. de 2015

Breve história sobre a dor

Conto: Sheilla Liz
Ilustração: Raro de Oliveira



Quando fui raptada contava com treze anos. Aconteceu como num sonho, mas eu não estava dormindo. Fui jogada ali. Lugar escuro. Sótão da alma. Negros dias de navalha. Apenas eu e meu algoz. Solidão e dor. Gritar não adianta. Que tipo de gente era aquela sem vizinhos? De quantas maneiras é possível torturar alguém? E por quanto tempo? Anos.
Falta pouco agora, estou deixando o mundo. Último suspiro e o pensamento: Quanto mais morta melhor.

21 de mai. de 2015

Satanás no Sótão

Conto: Florestano Boaventura
Ilustração: André Coelho



Miniconto com tema sótão? Quatrocentos e setenta caracteres? Assim você me fode! De cara, me vêm a história de um vampiro que conheci – Nivaldo Bocaiúva se não me engano era esse o nome dele, que acabou dormindo mais tempo que o normal e ao acordar, a casa havia se transformado numa igreja evangélica. Dessas igrejas evangélicas de bairro, com cadeiras de plástico sabe? Aqui no Uberaba surgem cada vez mais, quase uma por quadra – essas pragas. E no momento do culto das 20h em que o pastor dizia: SATANÁS MAIS UMA VEZ DEBAIXO DOS NOSSOS PÉS, o Bocaiúva abriu o alçapão do sótão, exatamente encima do altar e gritou: DEBAIXO DO PÉ, O CATZO! EU TÔ AQUI ENCIMA MERMO E CÊS TÃO TUDO FUDIDO! E foi uma correria danada. A “crentara” saiu correndo feito louca, pisando umas sobre as outras, largando bolsas, bengalas, sacolas... E o pastor, que ficou paralisado olhando para o “djanho” em pessoa, acabou virando papá de vampiro. Hahah deve ter sido hilário. Mas o gosto deve ser uma merda!

20 de mai. de 2015

Revistas Proibidas

Conto: Raro de Oliveira
ilustração: Antonio Dias


O casamento era insuportável. Sua mulher transformara-se numa chata repressora cheia de regras. Cartas de amor, recordações de namoro, lembranças da animada juventude foram todas entulhadas no sótão. Pra lá ele recorria secretamente nos momentos de agonia, livrando-se por algumas horas daquela opressora. Naquele dia quando subiu ao seu templo secreto teve uma surpresa. A megera havia arrumado o sótão! Havia limpado, encerado, organizado tudo. Procurou desesperado por seus tesouros e não encontrou nada, principalmente suas revistas de mulher pelada! O que seria da sua vida sem suas punhetas solitárias? Levantou uma caixa que pertencia à megera e o fundo se rompeu com o peso. Lá estavam as revistas perdidas. Não só as suas, outras também, de homens nus avantajados, e nas capas o nome dela escrito à caneta Bic. Ouviu o gemer do degrau que levava ao sótão e na contraluz sua mulher lhe fitava com um olhar feroz. Se atracaram em uma luta selvagem, cheia de ódio. Caíram exaustos sobre as tranqueiras e fizeram um amor bruto, pornográfico e sujo no colchonete surrado e cheio de manchas da sua juventude.

19 de mai. de 2015

Medo de Sótãos

Conto: Fabiano Vianna
Ilustração: Simon Taylor



Eu sofro de um mal: medo de sótãos. O maldito espaço desocupado em cima de casa não me deixa trabalhar. Todos conhecem a fama dos sótãos né? Habitat de vampiros, fantasmas, surfistas e outras coisas pavorosas.
Me mudei faz pouco tempo. O corretor imobiliário não me falou deste aterrorizante vazio entre as treliças quando me mostrou a casa. Porra. Há meses que não consigo trabalhar. O som do nada domina meus pensamentos.
Não existe coisa pior do que isso. Nem mesmo as músicas da Paula Fernandes.
De vez em quando ligo para o técnico da GVT e invento um problema no sinal da internet só para que ele suba e conte o que (não) viu. É um alívio quando o técnico me diz que não há nada além de pó e fios. De vez em quando uma pequenina aranha-marrom.
Mas não resolve, porque basta o técnico colocar o pé lá fora para que o incômodo volte.  O sinistro som do vazio que não me deixa pintar.
Minhas aquarelas estão ficando horríveis por causa do sótão. Centenas de papéis (caros) desperdiçados.
Terei que fazer alguma coisa urgente. Transformar o sótão numa sala, talvez. Levar um sofá para lá. Será que um cômodo vazio com um sofá torna-se uma sala? Mesmo estando perto das treliças? Ou continuará sendo um sótão? Não sei, mas será ao menos uma boa vingança. Por todas as aquarelas que ele estragou.
E depois que resolver isto, ainda terei outro desafio ainda maior a enfrentar: a sacada!

14 de mai. de 2015

Rodada 7

RODADA 7: SÓTÃO

19/05 - Fabiano Vianna 1 (entregue) / Simon Taylor 1 (entregue)
20/05 - Raro de Oliveira 1 (entregue) / Antonio Dias (entregue)
21/05 - Florestano Boaventura  (entregue) / André Coelho (entregue)
22/05 – Sheilla Liz (entregue) / Raro de Oliveira (entregue)
27/05 - Eduardo Capistrano 1 monstro (entregue) / Isabele Linhares 1 (entr ilustr até dia 26/05)
03/06 - Rafael Pesce (entr conto até dia 25/05) / Daniel Gonçalves 1 (entr ilustr até dia 29/05)

??/?? - Daniel Gonçalves (entregue) / Raro de Oliveira (entr ilustr até dia 23/05)
??/?? - Marco Antônio Santos (entregue) / Zansky 1 (entr ilustr até dia 22/05)
??/?? - Raro de Oliveira 2 (treliças) (entregue) / André Lissonger 1 (entr ilustr até dia 24/05)
??/?? – Raro de Oliveira 3 (janela) (entr conto até dia 21/05) / Fabiano Vianna 1 (entr ilustr até dia 25/05)
??/?? - Daniel Russell Ribas (entr conto até dia 23/05) / André Ducci 1 (entr ilustr até dia 27/05)
??/?? - Raro de Oliveira 4 (gorila) (entregue) / Henrique Martins (entr ilustr até dia 28/05)
??/?? - Lielson Zeni (entregue) / Fabiano Vianna 2 (entr ilustr até dia 30/06)
??/?? - Santiago Santos (entregue) / Júlio Vieira (entr ilustr até dia 31/06)
??/?? - Fernanda dos Santos Ferreira (entr conto até dia 28/05) / Fabiano Vianna 3 (entr il até dia 01/06)
??/?? - Diego Gianni (entr conto até dia 29/05) / Isabele Linhares 2 (entr ilustr até dia 02/06)
??/?? - Carol Sakura (entr conto até dia 30/05) / André Lissonger 2 (entr ilustr até dia 03/06)
??/??- Eduardo Capistrano 2 telhas criaturas (entregue) / Daniel Gonçalves 2 (entr ilustr até dia 04/06)
??/?? -  Luísa Bonin (entr conto até dia 01/06) / Zansky 2 (entr ilustr até dia 05/06)
??/?? – Maíra Valério (entr conto até dia 02/06) / André Ducci 2 (entr ilustr até dia 06/06)
??/?? - Dragomir Kephas (entr conto até dia 03/06) / Gihad Hak (entr ilustr até dia 07/06)
??/?? - Diego Fortes (entr conto até dia 04/06) / Francisco Gusso (entr ilustr até dia 08/06) 
??/?? – Gustavo Acrani (entregue) / Simon Taylor 2 (entr ilustr até dia 09/06)
??/?? – Fabiano Vianna 2 (aquarelas) (entregue) / Igor Oliver (entr ilustr até dia 10/06)
??/?? – Raro de Oliveira 5 (naves) (entr conto até dia 05/06)  / Hafaell Pereira (entr ilustr até dia 11/06)- 
??/?? - Luiz Bras (entregue) / José Marconi (entr ilustr até dia 13/06)
??/??- Maurício Fregonesi (entr conto até dia 06/06) / Sheilla Liz (entr ilustr até dia 14/06)