Conto: Yusef Al Ayub Hudhayfah
O capitão Zaide Muwaffaq e sua
tripulação conheciam muito bem os riscos e as lendas a respeito das águas
malignas do mar Makhluk antes de
aceitar a perigosa incumbência alvitrada pelo imperador Dal Ima Adin, de Amtullah. Entretanto, isso não foi suficiente
para intimidar os maiores marujos mercenários de Zaide ≈ bando composto pelo
seu irmão Zaim, Radi Habib, Benevides Nasih, Butrus Moamede, Anadil e Sharif
Mahmud, Jibril Fahd, Boulos Latif, Dharr Dhul Fiqar, Shadi Ra’id, Ayub Dib,
Rarin Katar, Sab Mu’ayyad e Zaib Mansur.
O rei desafiou Zaide e seus comparsas
a encontrar o Nazar Bancugu, um talismã
milenar que protege quem o usa, da inveja dos inimigos. Ele é conhecido também
como O Olho Místico ou Olho Turco. Os
turcos acreditam que com o amuleto do olho você estará protegido e toda a
energia ruim estará dirigida ao amuleto e não atingirá você.
A recompensa foi generosa e o soberano
Dal Ima Adin sabia muito bem como agradá-los: pagou antecipadamente a metade do
valor em moedas e artefatos de Zildar.
O navio de Zaide partiu no dia
seguinte à negociação. Levaram suprimentos suficientes para mais de cinco meses
de viagem. E um pequeno baú de madeira, especial, chamado Kahon, abençoado pelos magos, onde deveria ser guardado o Nazar.
Depois de vinte noites no mar,
algumas aterrorizadas por pujantes tempestades, aportaram em Anan ≈ cidade de brumas. Muitas
histórias de bruxarias e rituais de Anan circulam
pelas barbas dos frequentadores das tavernas de Amtullah. Anan é uma cidade
encoberta pela névoa, encrustada nas montanhas de Azmar. O que favorece a obscuridade de rituais macabros. Dizem que
muitos bruxos amaldiçoados se escondem nesta cidade, inclusive tramam e agem
contra os grandes reis. O Silêncio fático das janelas e ruelas de pedra
tortuosas não passa de um ardil para enganar visitantes. Corujas bicéfalas e
morcegos alvos furavam a cerração, dando rasantes, assustando os marujos.
O grupo passou a noite numa pousada
com degraus de musgo, chamada Estalagem
Almas, a menos de cem passos da praia. Durante a madrugada, vozes gritavam
na escuridão. Anadil ainda tentou enxergar algo pela fresta da veneziana no
quarto, mas só viu neblina. E depois, mais berreiros desesperados.
No outro dia, os marujos levantaram cedo e antes de
embarcar, se depararam com algo se movendo na praia ≈ um restolho de corpo, pedaço
de ser humano retalhado. No lugar da cabeça, havia uma mão, seios no tronco com
tatuagens de caveira e as extremidades cortadas em pequenos tocos. A escória
movimentava-se na areia, feito uma serpente, arrastando-se lentamente. O corpo
parecia ter sido também queimado ou entregue a algum tipo de ritual. A pele,
vermelha como lava. Dharr Dhul transpassou a carne da cria com sua lança,
fazendo o sangue jorrar.
Então finalmente, Anan
se revelou para eles. Aquele pedaço de carne humana modificada era uma amostra
do que acontecia por trás do véu de nuvens, do outro lado da cortina que
protegia os bruxos. Alguns acreditam, inclusive, que a bruma é criação dos
magos e que além dos rituais, a cidade abriga também alguns dos mais cruéis
assassinos do Oriente. Dizem, inclusive, que no meio das brumas das ruas
tortuosas de Anan, é capaz de se encontrar com parentes mortos, almas perdidas.
Quem sabe até se deparar com algum deles, no salão de café de uma pousada.
Contudo, ironicamente, foi em Anan que o grupo de Zaide
dormiu o sono dos justos. Descansaram as vinte noites mal dormidas. E Zaide
sonhou pela primeira vez com sua amada, Kamilah, depois de vinte e um dias
longe. O sonho foi tão real que ele acordou com a sensação exata do seu perfume
de jasmim, pode tocar suas mãos macias e lembrou da maciez dos seus lábios.
Júlio Vieira
Publica suas criações no blog: juliovieira.blogspot.com
Yusef Al Ayub Hudhayfah
Nasceu em
Teerã, em 1977 e hoje vive em São Paulo, Brasil. Começou a escrever aos 18 anos
e publicou em 2008 seu primeiro livro de contos, “Almas”
pela editora “Mizmar”.
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