Conto: Dragomir Kephas
O sujeito taciturno,
habitante solitário daquela paisagem desolada, seguia por uma trilha rumo à
civilização para adquirir mantimentos. Em certa altura do trajeto deparou-se
com uma carroça que havia deslizado e estava encalhada em um barranco. Uma mula
jazia suspensa pelo dorso e, caído sobre o assoalho da carroça, estava um padre
abraçado a uma grande cruz de madeira. O andarilho verificou que o clérigo
estava morto, embora não apresentasse ferimentos. Com dificuldade, desvencilhou
a cruz dos dedos do defunto, foi quando percebeu que o objeto era oco; algo
sacolejava em seu interior. Na base do artefato havia um orifício, uma
fechadura, que foi aberta com a chave que o eremita encontrou pendurada no pescoço
do padre. A base da cruz desprendeu-se e de dentro do objeto o homem retirou um
limão; seco, duro como pedra. Enquanto protegia o padre dos urubus, ajeitando-o
sob o assento da carroça, negligenciou a fruta que caiu em uma fissura do solo
erodido. Continuou seu caminho, pretendia retornar com ajuda para levar o padre
ao cemitério da vila.
Dois dias depois, o
eremita retornou acompanhado pelo pároco local e dois policiais emprestados
pelo delegado. Para espanto do homem solitário, um frondoso limoeiro havia
crescido junto à carroça. A planta devia ter uns três metros de altura, pela
sua avaliação. A pequena fissura, em que o fruto havia caído, era agora uma
fenda tão grande, que serviria para ocultar o cadáver da mula e ainda sobraria
muito espaço. Perplexo, tentou relatar os fatos sem parecer insensato, mas foi
ignorado. O padre morto certamente priorizava a atenção daqueles que o
acompanhavam.
Primeiro desprenderam a
mula e arrastaram-na para a fenda no solo, conforme previsto pelo eremita.
Então, nivelaram a carroça, de modo a conduzir o padre para a vila em seu
interior. Para isso haviam trazido o cavalo da paróquia. O esforço exaustivo
sob o calor do pleno sol levou um dos policiais a experimentar um daqueles
limões. Espantou-se com a suculência e doçura da fruta. Todos, exceto o
ermitão, entregaram-se ao deleite oferecido pelo limoeiro. O homem simples
tentou alertar novamente, sobre o mistério daquela árvore, mas foi ignorado
mais uma vez.
Em poucos minutos, aqueles
que haviam provado as frutas começaram a queixar-se de uma sede aguda.
Esvaziaram seus cantis e começaram a disputar uns pela água dos outros,
primeiro com argumentos, depois com violência. O eremita jogou seu cantil para
eles e, enquanto engalfinhavam-se pela água, fugiu e escondeu-se a uma
distância segura. Ele ouviu tiros, gritos; tiros novamente. Mesmo com o
silêncio total, aguardou quase até o anoitecer para verificar os fatos.
Deparou-se com um horror sem precedentes. O pároco, um policial e o cavalo
estavam mortos. O segundo policial rastejava-se alvejado por tiros nas pernas,
ele revirava as entranhas do cavalo, sugando-lhe o sangue freneticamente. As
vísceras dos outros cadáveres estavam espalhadas pela trilha, quase sem sangue,
praticamente secas. O eremita aproximou-se com cautela para não ser ouvido e matou
o policial com uma coronhada de fuzil na cabeça.
Todos os cadáveres
couberam na fenda junto ao limoeiro. O eremita terminou de sepultá-los
cobrindo-os com terra. A cruz de madeira, que pertencia ao padre forasteiro,
ele usou para demarcar aquele túmulo coletivo. Ateou fogo ao limoeiro, fez uma
prece para que o mesmo morresse e partiu para nunca mais voltar.
Dragomir Kephas
Colaborador da revista Lodo, desde 1958.
Colaborador da revista Lodo, desde 1958.
Francisco Gusso
Seus trabalhos podem ser visualizados no site: franciscogussoarts.blogspot.com
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