Conto: Florestano Boaventura
Mês passado
recebi uma visita inusitada. Suri Hamasaki, da fábrica de brinquedos Tomo-no-kai, apareceu para tomar um
café. Sempre a encontro nos jantares e bingos do Clube Nikkei, ponto de
encontro da colônia japonesa no bairro.
Aliás, como é sortuda! Na última vez, levou um chuveiro elétrico e um
jogo de toalhas da Marvel. Estava louco pela do Hulk, mas eu, em bingo, não ganho nem pano de prato.
Hamasaki é
descendente dos primeiros imigrantes isseis e nisseis que vieram morar no
Uberaba. Herdou a fábrica, que inicialmente trabalhava apenas com brinquedos de
bamboo e carrinhos de madeira. Hoje em dia são os bonecos infláveis da Jessica Biel que fazem mais sucesso.
Suri me trouxe
de presente um pacote de bolinhos de feijão Azuki – iguarias que eu adoro e que
retribui com vigorante café forte. Quem faz os bolinhos é outra amiga nossa, Mitiko
Sakamori, dona de uma floricultura de plantas carnívoras na Salgado Filho.
Minha amiga
então falou que o cemiteriozinho particular da tradicional família Hamasaki estava totalmente entregue a
bandidagem e me perguntou se eu não poderia dar uma mão – aliás uma pata, para
assustar os maloqueiros que andavam saqueando os
túmulos ou se escondendo no matagal em
volta, após furtos nas imediações. Imaginou que se eu passasse algumas
noites de lua cheia por lá, dando uns uivos, assustaria os salteadores. Na hora
eu pensei, é claro, no banquete de carne fresca que estava me ofertando. Mas
não comentei isso e, para manter a descrição, apenas aceitei solicitamente.
Sempre fui muito bem tratado no bairro e desenvolvi uma amizade muito legal com
os japoneses que moram aqui.
Na noite de
lua cheia seguinte, passei a noite no cemitério. Demorou para aparecer alguém,
mas eu estava bem acompanhado de alguns deliciosos charutos cubanos e de um
radinho a pilha para ouvir os lances do jogo do Atlético.
O aperitivo
foi um ladrãozinho de vasos. Pena que quando decepei a cabeça dele, as peças se
quebraram. Vacilo total. Deviam estar ali há uns cem anos pelo menos. Para não
levantar a lebre, levei os pedaços junto com os ossos num saco, pra casa. Vai
que ainda dava pra colar com Super Bonder...
Depois
apareceram outros larápios – se gabando de terem roubado rádios de carros e mais
tarde também uns góticos profanadores de túmulos. Me fartei! Foi tanta carne que acabei levando as sobras pra casa. Lotou o meu freezer.
Tenho comida para mais de mês, agora.
Daí eu e a
Suri espalhamos pelo bairro o boato que uma fera demoníaca estava assassinando
as pessoas no cemitério. Fizemos até um fanzine em xerox. Dissemos que
tratava-se de um lobisomem oriental, defendendo os antepassados da família.
O sobrinho
dela, Frede, nos ajudou com os cartazes. Desenhou a face aproximada da criatura,
com o cemitério de fundo. Ficou bem legal o desenho! O piá leva jeito, acho que
vou até convidá-lo para ilustrar uns contos na Lodo.
Criamos um
nome, que eu nem lembro qual era, em japonês e distribuímos por vários pontos
do Uberaba. Pelos botecos, panificadoras e principalmente nos clubes dançantes.
Parece que a
ação funcionou, ela me disse hoje. Mas o problema é que agora, a paz do
cemitério está sendo incomodada por cientistas e jornalistas do programa “Caçadores
de monstros” do History Channel. Que
saco! A gente se livra de um problema e aparece outro.
Frede Marés Tizzot
Formado em História e Direito, abandonou o mundo acadêmico para fundar a Editora e Livraria Arte e Letra, onde trabalha como ilustrador, capista, diagramador, editor, revisor, tradutor...
Florestano Boaventura
Editor de uma revista de cordel, com temática horror, chamada LODO. A publicação circula pelos becos de Curitiba desde 1948, e foi relançada junto com a LAMA nº 2 em 2011.
Editor de uma revista de cordel, com temática horror, chamada LODO. A publicação circula pelos becos de Curitiba desde 1948, e foi relançada junto com a LAMA nº 2 em 2011.
Alguns contos podem lidos em: www.revistalodo.blogspot.com.br.
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