Conto: Mel Ferreira
Ilustração: Thiago Thome
A
pele seca, áspera e fria cercava o corpo do pigmeu. Rastejava fluidamente. Ele
não percebia. A noite o havia apagado num desmaio que roncava forte. A pele se
espreguiçava ao seu lado; o cheirava, tremendo a língua bifurcada e inquieta, embora
seus olhos permanecessem a espreita. Pálpebras transparentes. Foco. Pupilas
finas e imóveis. Desgarrada, ela ouvia as ressonâncias do pigmeu que sonhava. Estava
medindo... Caberia? Coube.
De
bote, a pele o apertou até seus olhos abrirem marejados. Um formigar lento e
perpétuo o pinicava, deixando seu corpo bêbado. Ainda que, de pronto, os
músculos reagissem com espasmos, não demorou aos primeiros ossos se romperem,
abalando a postura. Os dentes cerrados
usavam quase toda a força, agora inútil ao corpo descoordenado. O pigmeu perdia
o olhar, enquanto sua consciência agitada tentava distinguir o que estava
acontecendo. Doía. E o coração começou a
correr, como se quisesse sair pelos poros de tantas batidas por segundo. Como
se quisesse arrancá-lo à morte iminente.
Líquidos
vertiam dos cortes que ela fez enquanto o engolia. O corpo hemorrágico do
pigmeu, lentamente, se misturava ao seu sepulcro. O esfíncter cedeu. Suas
pálpebras caíram. O sangue perdia seu talento, porque do nariz do pigmeu não
saía nem entrava ar. O que era pânico virou silêncio. E muito do que existia na
cobra, era o pigmeu recém enterrado.
Mel Ferreira
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