Conto: Luísa Bonin
Ilustração: Francisco Gusso
Me coçam as coxas graças às jeans úmidas que vesti de manhã. Estamos sem sol há dias e já preciso secar as calcinhas atrás da geladeira. Menti para Giana. A faxina é o que me sobra. Combinei com ela hoje, quarta-feira. Mora no centro. Com o tempo que gastaria no terceiro ônibus passo a roupa. Trintão a mais. Toco a campainha do vizinho pela terceira vez. Depois de apertar a dela umas dez vezes. Esse negócio é uma tristeza, ela diz. O prédio não tem elevador e as escadas de pedra têm aquelas fitas antiderrapantes mal colocadas e descolando. Tropeço duas vezes. Giana sobe na minha frente. Porta aberta. Um tapete, uma cadeira, um colchão e um cobertor. Hoje é meu último dia aqui, ela diz enquanto vem da cozinha com um balde e uma vassoura. Deixa o balde no chão e ascende um cigarro. Com fumaça na boca, tira um papel do bolso. Quadra 43, ela fala. Número 2, Cemitério Municipal. Sabe chegar lá? Pode ficar com o balde e a vassoura, ou jogar fora depois. É bom usar água sanitária, dilua um copo num litro d’agua. Não mais que isso. Passe o pano três vezes, por favor, com água sanitária nova. Na terceira, coloca a luva, e passa a água sanitária pura. As chaves põe no vaso de flor, completa falando rouco enquanto me entrega o dinheiro e as chaves. Conto o dinheiro e tem os trintão a mais que combinei da roupa. Melhor não perguntar nada. Medo eu tenho de vivo, e uma lápide eu limpo rápido. Ainda volto pra casa a tempo de buscar meu filho no colégio e fazer almoço.
Saio do prédio e a chuva não para. Resolvo ir
andando para o cemitério. Quadra 43. 5, 3, 2. Tá com a luz acesa. E é tudo
menos uma lápide. Grande esse! Grita de longe o coveiro – eu acho. Mausoléu dos
Bernini! Grita ele mais uma vez. Ficar cuidando de parente depois de morto só
não deve ser pior porque ela tá me pagando para fazer isso. Abro a porta. Tem
um metro quadrado do que eu chamaria de “antessala”, e a câmara principal com
uns 5 metros quadrados, muitas velas derretidas e a parede e o chão verdes de
mofo.
Água sanitária. Pano. Abstraindo o cemitério. Já tô acabando. São 11h30min. Se eu termino rápido e faço bem
são R$ 130 e ela pode me chamar de novo. É muito mofo. Vou demorar mais mas passo
o pano pela terceira vez em tudo. Tá limpo mas tá sujo. Não faz sol. Vai
continuar mofando. Já perdi a hora do colégio. Mas se eu sair agora chego a
tempo de almoçar com meu filho. Deixo a chave do lado da porta, no vaso de
barro. Mas agora tem uma flor no vaso. Duas. Olho pra trás e tem uma confusão
de gente chegando perto de mim e colocando mais flores no vaso.
Foi ontem. Terça-feira. Ela escorregou na escada do
prédio que morava. A chuva não para e nem os antiderrapantes deram conta. Giana
morreu na hora, traumatismo craniano. Me contou a primeira senhora que colocou
as flores no vaso.
Luísa Bonin
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