29 de ago. de 2014

O cemitério de ideias

Conto: Rafael Pesce
Ilustração: Hafaell Pereira


O ano era 2556. O clima na sala do Imperador Drextos II era de tensão. À frente do trono, cravejado por diamantes roxos, estava uma mesa redonda, onde os mais importantes generais, cientistas e conselheiros imperiais estavam sentados. A ausência de som foi quebrada quando o Imperador levantou-se. O ouro da extravagante túnica chacoalhou, interrompendo o mórbido silêncio. Foi o sinal que todos esperavam. Em um grito uníssono todos bradavam com a mão em sinal de continência: Vida longa ao Imperador! Vida longa ao Imperador! Vida longa ao Imperador!

- Quietos! Já chega seus vermes! Já faz quase um ano que estamos no meio dessa guerra contra essa horda de rebeldes que insiste em não reconhecer o meu poder absoluto. Convoquei essa reunião para acabar de vez com a baderna que insiste em atrapalhar meus planos. Eu exijo uma solução imediata para este problema!

O primeiro a se levantar foi o General Horxos, responsável pelo comando de todas as tropas imperiais. Entre uma gaguejada e outra encontrou coragem para se manifestar:

- Oh co-co-comandante supremo. Eu, eu...já não sei mais o que fazer. Mando diariamente nossas tropas combaterem esses insurgentes, mas quanto mais lutamos mais o inimigo parece se fortalecer. Não importa o que façamos, os rebeldes parecem sempre estar um passo a nossa frente. Eles não têm medo, não desistem nunca. Usamos toda nossa força, todo nosso arsenal e parece que nada os faz desistir. Eles não são simples homens, não sei o que os faz continuar.

- Tolo! – respondeu o Imperador. Eu não convoquei esta reunião para escutar desculpas. Estou aqui para ouvir uma solução. Se eles não entendem por bem a necessidade de nossos altos impostos, que entendam por mal. Saia daqui, insolente!

Horxos não teve tempo suficiente para abandonar o recinto. Um gesto foi suficiente para que dois soldados, que até então permaneciam imóveis na entrada, atravessassem suas lanças laser nos pulmões do agora ex-general. As risadas de Drextos II ecoaram sozinhas pela sala. O encontro então prosseguiu:

- Trevor, você era o segundo em comando. O controle de nossas tropas agora está em suas mãos. O que você pretende fazer para retomar a ordem?

O novo General em nada lembrava seu antecessor. Era uma pessoa confiante, que não demonstrava medo e não evitava o olhar penetrante do Imperador.

- Grato pela oportunidade de mostrar o meu valor, oh grande Imperador Galáctico! Como todos sabem, temos um arsenal muito mais forte do que aqueles pobres rebeldes. Eles parecem um bando de ratos. Esmagamos um, mas no lugar desse, aparecem dois. E isso tudo porque eles têm uma ideia coesa por trás. Seus líderes conseguem manter o que, inicialmente pode parecer uma multidão desorganizada, em uma forte arma de repressão. Enquanto não exterminarmos essas cabeças, não acabaremos com a força por trás desta ideia absurda de rebeldia.

O Imperador sentou-se no trono e pareceu intrigado com a afirmação de seu novo general. – O que nos impede de terminarmos de vez com essas patéticas vidas?

- Infelizmente essa corja rebelde desenvolveu um escudo defletor capaz de bloquear qualquer ataque proposto por nossas tropas. Existem apenas cinco desses escudos, e eles estão justamente divididos entre esses líderes. Ainda não conseguimos descobrir uma maneira de furar esse bloqueio.

- O Imperador Drextos II se levantou exaltado. – Não acha que é muito cedo para vir com desculpas? Já disse que exijo soluções, SOLUÇÕES!

Antes que Trevor pudesse responder, uma voz, um pouco trêmula, e já entregando a idade, pediu a palavra. Era o Dr. Strengler, um velho cientista que estava no canto mais distante da mesa.

- Caro Imperador, general e demais presentes. Não precisamos necessariamente matá-los. Como Trevor bem disse antes, sem um ideal a tentativa de revolta estará morta. Tudo o que precisamos é estancar de vez esses poços de ideias.

- E como isso será possível? – indagou Drextos II.

Calmamente o cientista respondeu. - Há anos venho trabalhando em um projeto secreto que recentemente viu a luz do dia. Estava esperando a oportunidade certa de usá-lo. – O cientista puxou de dentro de uma bolsa o que aparentava ser um pequeno rifle laser. – Isso, meus caros, não é o que parece. Em uma primeira olhada pode dar a impressão de ser uma arma letal, dessas que desintegram o inimigo. Mas não, não é isso que ela faz. Ela é o que eu chamo de Nápad. E qual sua utilidade, vocês me perguntarão. Respondo: Ela extrai ideias.

Todos os presentes na sala de reunião arregalaram os olhos. Um burburinho de palavras indecifráveis se criou no ambiente. SILÊNCIO!!! – gritou o Imperador. Continue a sua explicação Dr. Strengler.

- Com sua licença, oh grande Imperador. Tudo o que preciso é programar o dispositivo para extrair toda e qualquer ideia relativa à rebelião. Como ela não é uma arma de ataque, garanto que não há escudo no mundo capaz de impedir a sua funcionalidade. Basta apontar, apertar o gatilho e pronto. O pensamento será apagado da mente do inimigo e a possibilidade de regenerar tal ideia ficará impossibilitada, graças aos efeitos do Nápad.

Em meio às gargalhadas eufóricas o Imperador repetia: - Ótimo doutor, ótimo, ótimo! Dessa maneira iremos aniquilar para sempre essas ideias ridículas.

- Meu caro Imperador, ideias não podem ser destruídas. Como eu disse anteriormente, o meu aparelho as extrai, não as elimina. Uma vez arrancada ela tomará uma forma física e ficará retida nesta cápsula redonda. Não se engane com o tamanho, se este aparentemente inofensivo receptáculo for perdido, as ideias poderão retornar para seus donos. Para evitar o pior, sugiro a criação de uma sala blindada, com toda a segurança necessária para que esses pensamentos jamais voltem a ter vida.

Drextos II finalmente sorriu aliviado, esvaziando a tensão que ainda preenchia o ambiente. Olhou para todos e falou: - Um cemitério de ideias...gostei! Construam essa tumba de aço imediatamente!


Rafael Pesce 
Nasceu em 1985 na cidade de Três Passos, interior do Rio Grande do Sul. Mudou-se para Porto Alegre em 2003, onde se formou em Jornalismo pela PUC-RS e mora até hoje. Em sua estante de livros Nick Hornby e J.R.R Tolkien brigam constantemente pelo maior espaço, mas agora ganharam a concorrência voraz de George R.R Martin. Devoto do gremismo, não dispensa um café ou um chimarrão bem quente.  
contosdefleming.blogspot.com

 Hafaell Pereira
flickr.com/photos/hafaell

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