21 de jul. de 2014

Morri pela beleza

Conto: Celly Borges
Ilustração: Johandson Rezende



– Ora, que patético você dizer isso.
– Como patético se é esta a única verdade, Joana?
– Emily, é provável que o fato tenha se dado de outra forma, mas ninguém tenha contato com os detalhes reais.
– Pois vou contar todos os detalhes e você que julgue como reais ou não.
“Aconteceu logo depois que eu entrei em casa. Voltava do chá da tarde com as madames do clube de leitura, que acontecia na casa de uma querida amiga, Mary. Apesar de ser boa com algumas pessoas, ela era arrogante com outras. Mas isso não vem ao caso.
Acontece que cheguei um pouco mais cedo do que o normal, pois o chá estava frio e as bolachas, amolecidas. Entrei em casa como normalmente fazia, pensando que estava só, pois meu marido trabalhava até tarde nas quintas-feiras, mas ouvi uma correria no andar superior e meu sangue gelou. Travei no chão e não soube o que fazer.
Fiquei ali, escutando a correria, quando alguém começou a descer as escadas...
– Oh, meu bem, não sabia que chegaria tão cedo – disse John, meu marido.
Por poucos minutos pude sentir uma alívio, mas logo algo apitou dentro de mim e percebi que John estava apenas de cueca e meias brancas, todo suado. Meus instintos apurados disseram que havia algo errado. Olhei para ele e logo para a escada. Quando ameacei subir, ele me segurou pelo braço. O olhei assustada com o gesto inesperado.
– Sente-se aqui. Já que cheguei cedo – disse-me ele, apontando a cadeira da mesa da cozinha –, vou preparar uma xícara de chá para nós.
Ele sabia que eu havia ido para o chá com as madames do clube. Estranhei ainda mais e disse que aceitaria sua oferta, mas que precisava tirar a roupa desconfortável.
John me olhou tenso, então eu passei por ele como um foguete e subi até nosso quarto.
Em nossa cama, onde tantas vezes trocamos carícias, juras de amor e muito sexo, estava sentada uma jovem. Ela era muito jovem. Sorriu, era linda. Nunca tinha visto tamanha beleza.
Ela me olhou e sorriu. Seu sorriso não tinha nenhum remorso, era falso, então eu voei sobre ela. Pulei em seu pescoço com a faca que havia pegado sobre a mesa lá embaixo, sem que John percebesse.
Quando meu querido e compartilhado marido enfim chegou em nosso quarto, sua bela amante estava no chão. Ao levantar seu rostinho desfigurado ele deu um berro de desespero, enquanto o sangue sujava todo o tapete.
– Sua louca– ele berrava. E eu estava estática. – Tirou dela toda a sua beleza! Acabou com a única mulher que eu amei em toda a minha vida infeliz ao seu lado!
Ele também trouxera uma faca”.
– Eu morri pela beleza de outra.
Então agora somos irmãs, em meio aos túmulos e lápides esquecidos.
– Neste ambiente que me causa repugnância. Até que o musgo cubra nossos nomes.


Celly Borges 
Nasceu em São José dos Pinhais, PR, onde sobrevive. É apaixonada pelos livros. Mantém há cinco anos o blog Mundo de Fantas no mundo dos livros (mundodefantas.blogspot.com.br). Autora de contos de horror e fantasia. Também escreve literatura infantil sob o nome Gisele Borges. Enfim, profissão: leitora.                 

Um comentário:

  1. Gostei muito do conto! Uma pena as duas fantasmas não serem a esposa e a amante...

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