Conto: Dragomir Kephas
O viajante deparou-se
com uma bela peça lavrada em pedra, na confluência da estrada principal e um
caminho até então desconhecido, quase oculto pela relva crescida. A tal escultura, um anjo melancólico, postado
no remoto trajeto entre duas cidades do interior, certamente sinalizava a
entrada de alguma propriedade. Revigorado pela surpresa, Getúlio tinha certeza
de que ninguém lhe negaria um bom prato de comida e um canto para dormir.
Ele fazia sua jornada
a pé, acompanhado por um cavalo magro, puxado pelas rédeas e incumbido da
bagagem. Depois de alguns minutos caminhando,
foi possível avistar uma colina descampada e um casebre com a chaminé
fumegante. Ainda seguindo a trilha, passou por um grande paredão rochoso, uma
pedreira. Ao final desse trecho, após uma curva abrupta, o viajante estava aos
pés da colina encimada pela choupana.
Getúlio prendeu as
rédeas num arbusto e bateu palmas. Sem demora, um idoso apareceu na porta da casa
e fez sinal para que o viajante se aproximasse.
O sujeito, cuja boca
escancarada ostentava não mais que três dentes, ria com a satisfação de quem
revê um ente querido. Os olhinhos brilhavam, espremidos, entre incontáveis
rugas. Os cabelos eram brancos, esparsos e desgrenhados. Tinha a estatura de
uma criança de dez anos. Apesar do aspecto frágil, o ancião apresentava muita
vitalidade. Puxou um banco e fez sinal para que Getúlio sentasse à mesa, então
serviu uma jarra de água, bananas, pão e um ensopado de carne. O anfitrião nada
dizia, apenas produzia alguns sons guturais e gesticulava muito.
Getúlio não fez
desfeita, alimentou-se com tudo que estava à disposição, demonstrando gratidão
em cada gesto. Depois de saciado, puxou a carteira do bolso e ofereceu um
pagamento pela comida, mas o idoso refutou enfático e sorriu dando tapinhas no
ombro de seu convidado. Então, saiu do cômodo e retornou com lápis e papel e,
colocando-os na frente do viajante, disse com dificuldade:
– Nome.
Getúlio escreveu seu
nome no papel e depois, a convite, seguiu o idoso até os fundos do casebre. O
local era uma espécie de ateliê, um pátio de terra batida coberto com telhas de
amianto. Havia anjos de toda espécie, carrancas, capitéis, balaústres, colunas
torneadas e todo tipo de artefato talhado em pedra. Orgulhosamente o artesão
apontava para cada um dos trabalhos. Caminharam para fora da área coberta,
chegando a um local onde havia dezenas de lápides, todas belamente
trabalhadas. As primeiras que Getúlio
observou estavam deitadas no chão, ornamentadas com alto-relevos ao redor da
face polida. Ao lado, fileiras de lápides dispostas perpendiculares ao chão,
como em um cemitério, porém mais próximas umas das outras. Ele seguiu entre os
estreitos corredores e percebeu que aquelas lápides possuíam nomes entalhados.
Getúlio virou-se para
o idoso quando sentiu a lâmina penetrar suas costas. Ele caiu e teve a cabeça golpeada
com uma espécie de tacape de pedra. O velho destrinchou sua carne, depositando-a
numa bacia. Separou as vísceras e os ossos num saco de pano, que enterrou onde
havia espaço para mais uma lápide.
Colaborador da revista Lodo, desde 1958.
revistalodo.blogspot.com.br
Rafael Pto
facebook.com/rafael.pto
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