Conto: Rodriane DL
Ilustração: Júlio Vieira
Descemos a rua dos frigoríficos caminhando rápido. As placas
vermelho-escarlate pareciam lápides ostentando a morte dos pobres bichinhos.
Você ficava triste e eu apressava o passo. Estávamos indo até o descampado onde
eles jogavam os restos dos bois. E sua tristeza acabava rápido, tiquetaqueando
junto com meu relógio.
A gente chegava lá e sabia de cor cada decomposição, cada cheiro podre,
cada resto de osso lambido até o tutano pelos cachorros vadios que zanzavam por
lá. Um deles, com tufos de pelo lutando heroicos contra a sarna, chamávamos de
Cão.
Ele abanou o rabo entre as tábuas quando nos viu cruzando a cerca.
- Tá gordo e roliço como um porco esse Cão!
- Mas é feio, hein ?
Eu estiquei o braço e apontei na diagonal :
- Olha, Cris, uma cabeça nova!
Corremos lá para ver o tamanho do estrago. Uma cabeça sem chifres e
olhos esbugalhados era a novidade, coberta de moscas ensandecidas.
- O bicho não teve nem chance.
- Não mesmo.
Peguei uma vareta e cutuquei a cabeça bem no nariz, milhões de larvas
enlouqueceram saltando para fora.
- Está recheada!
- Parece salgadinho...
Ficamos ali olhando aquele negócio se mexer sem vida por alguns minutos,
cutucando e rindo do jeito dela.
- Que horas são, Luis ?
Olhei o relógio e contei os números, porque não consigo saber as horas
assim de supetão e isso faz a Cris sorrir.
- Acho que são quase seis.
- Então temos que ir.
Passamos a cerca, não sem antes fazer festinha com Cão que abanava o
rabo de tufos, porque Cão bem sabia que a gente voltava.
E voltávamos mesmo, com a mesma desculpa de ver ossos cheios de larvas,
escondendo a vontade verdadeira de querer estar junto, seja lá para o que for.
- Eu vi um caminhão de bois chegando na cidade ontem, Cris.
Ela baixou o olhar e eu não gosto quando eu a deixo triste. É como se as
larvas invadissem meu coração.
- Vocês acham que vão matar todos?
- Só alguns... talvez nenhum. Acho que são só para exposição
mesmo.
Ela olhou para o descampado com os olhos castanhos e desacreditados. As
larvas se mexeram um pouco mais dentro de mim.
- Nós podemos não vir mais...
- Não, Luis. Nós precisamos ver se está tudo ok com o Cão...
Nós dois, apressados como um relógio passando das seis, tínhamos boas
desculpas para estar junto um do outro.
E as larvas saíam do meu coração.
Rodriane DL
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