9 de jun. de 2012

O Caso da Morte do Mutreta (Parte 6)

Texto: Eduardo Capistrano
Ilustração: Foca Cruz



Parte 6 – Final

As luzes se acenderam e alguém ofegante entrou. As cortinas impediam que Guerra visse quem era diretamente, mas o quarto inteiro refletia na janela. Era um cansado Célio Silva, carregando uma grande bolsa de viagem. O prisioneiro se debateu com as luzes acesas. Mutreta derrubou a bolsa ao lado dele e desferiu-lhe um tapa na cabeça, dizendo que ficasse quieto. Avançou para a janela em cujas cortinas Guerra se escondia, parando a palmos de distância dele, sem vê-lo. Olhou para fora por alguns instantes e voltou para o prisioneiro.
Trouxe uma cadeira abaixo do nó de forca e sentou nela, ao lado do prisioneiro.  Sacou um isqueiro e brincou com ele nervosamente. Guardou o objeto, subiu na cadeira e segurou-se na corda com as mãos, erguendo os pés. A corda aguentou seu peso. Desceu, pegou um pacote de salgadinhos da bolsa e comeu um atrás do outro. Retirou um papel escrito do bolso, correu os olhos por ele com detimento e o colocou sobre a cama. Logo sacou o isqueiro e voltou à nervosa brincadeira de antes.
O Mutreta respirou fundo, parecendo resolvido. Sentou-se e pegou uma das mãos do prisioneiro. Agarrou firme um dos seus dedos, e com a outra mão acendeu o isqueiro. Mutreta queimaria as impressões digitais do prisioneiro, não fosse o cano do revólver do investigador em sua nuca.
O rastro de dinheiro até a fotografia era muito evidente para ser acidental. A data da foto faria quem a descobrisse vir até o motel. Chegando um pouco mais tarde, descobririam um corpo enforcado e desfigurado, certamente com algo que o identificasse como Célio Silva. Como em outros casos, profissionais e amorosos, Guerra era recompensado pelo seu profundo conhecimento dos motéis da cidade.
Célio Silva deixou cair os ombros. Relutava em começar aquela odiosa tarefa e parecia aliviado por ter sido interrompido. Márcio lamentou que alguém da reputação dele tivesse posto tudo a perder daquele jeito. O investigador descreveu como só uma coisa podia fazer aquilo tudo fazer sentido. Mutreta precisava sumir antes que a Polícia descobrisse as pontas soltas de um crime antigo. Como o assalto a banco de dez anos atrás. O detetive só quis saber por que forjar a própria morte mais de uma vez.
— Quem precisa de mim vai saber que estou vivo. Mas pra quem me quer morto, não vale a pena nem descobrir se estou vivo, quanto mais me matar. Mas nunca terão certeza. Eles se ferram... em dobro.
Sem se virar pra responder, Mutreta sorriu seu sorriso irresistível. Propôs com algumas palavras que ele sairia do quarto e desapareceria. Guerra podia ficar com a bolsa e tudo o que havia nela. Com um gesto sutil, abriu a bolsa, revelando pacotes de cédulas. Assegurou que não era nem perto do total, mas que seria o máximo que qualquer pessoa encontraria. Com o silêncio do investigador, Célio Silva levantou-se e andou lentamente até a porta, para a impunidade, sorrindo.
Horas depois, Guerra retornava ao mesmo quarto. Tentou parecer indignado ao ver o corpo enforcado que era examinado por Correia e pelos novatos. Aguardou enquanto os legistas desceram o corpo desfigurado e encontraram o ferimento a bala nas costas. O papel sobre a cama era uma nota de suicídio, escrita pelo Mutreta. Correia emitiu uma série de impropérios. Os novatos entreolharam-se confusos.
A quilômetros dali, “Champinha” finalmente soltou as mãos. Conseguiu remover a venda e a mordaça. Antes de soltar os pés, viu algo que havia sido largado com ele com os lençóis do motel no meio daquele matagal. Era um pacote de dinheiro, ainda com a fita de papel do banco.


Eduardo Capistrano

Nasceu em Curitiba, Paraná, no ano de 1980. Contista desde 2002, é autor de "Histórias Estranhas" (2007) e "A Quarta Dimensão" (2011).
Saiba mais em http://edcapistrano.blogspot.com

Foca Cruz

Luiz Alberto Cruz, Foca, parnanguara, primeira lembrança na vida foi ver Neil Armstrong numa tv preto e branco andando feito um bobo na lua. Nessa época já existiam dinossauros e os carros de corrida na oficina do lado. O primeiro livro lido foi "Viagem à Lua" de Julio Verne. Ganhou do irmão pintor uma "Rotring" 0.3 aos 10 anos, daí em diante fodeu, pois logo ficou claro de fato que desenhar é como tocar violino em público: ou é muito bom ou da ânsia de vômito. Adam West. Também o do próprio: www.focacruz.wordpress.com

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