4 de jun. de 2012

O Caso da Morte do Mutreta (Parte 1)

Texto: Eduardo Capistrano
Ilustração: Foca Cruz






Parte 1

Como muitos de seus casos anteriores, o investigador Guerra poderia resolver aquele facilmente com um flexionar de dedos, um estampido, um corpo caindo ao chão. Não precisaria se preocupar com explicações, as inevitáveis mentiras, a preocupação com as consequências. O homem diante dele sorria um pacto. As mãos ocupadas. A arma, se existisse, ainda na cintura. A sua própria já em mãos. A corrupção sorridente ergueu-se em direção à impunidade. Era como aquela citação. Bastava que Guerra nada fizesse. Os pensamentos dardejavam em sua cabeça.
Márcio Guerra havia sido da Polícia Civil. Foi afastado, diziam, após ter sido acusado de matar um suspeito indevidamente. Ninguém de fato lamentava a morte do indivíduo, um traficante pego no flagra estuprando uma moça. Mas a morte atraiu a atenção da Corregedoria, na época em uma “caça às bruxas” para eliminar o vigilantismo no órgão. A perseguição foi infrutífera na época e Guerra podia ter continuado, mas preferiu sair, principalmente por temer um tiro pelas costas: que a morte do traficante fosse vingada por colegas policiais comprados pelo crime organizado.
Confirmado ou não — ninguém saberia —, o motivo de sua saída da Polícia concedeu a ele uma reputação que soube usar na sua nova linha de trabalho. “Bicos” de segurança ou mensageiro no submundo acrescentaram vários nomes à sua já numerosa lista de contatos. Com isso, veio a oferecer seus serviços como “Márcio Guerra – Detetive Particular”, mas seria conhecido mesmo como resolvedor de problemas. Pessoas de toda a cidade e de todas as camadas sociais o procuravam para obter o que não era obtível pelas vias normais. Ou legais.
Seus métodos não primavam, ressalte-se, pela licitude. Assim, surpreendentemente ou não, a própria Polícia acabava lembrando desse seu ilustre ex-integrante como colaborador eventual, formalizando tal colaboração o quanto fosse apropriado para o caso em questão. Às vezes tinha que dar até nota fiscal de seus custos; às vezes, nunca revelaria que fizera o serviço para a Polícia.
A ligação de Correia, um de seus antigos colegas, anunciava um desses casos. Não soube qual seria o grau de sua associação com a Polícia até comparecer no local e hora marcados para o encontro que discutiria o serviço. O endereço era em um bairro residencial de casas simples na periferia. Da casa em questão restavam apenas alguns tocos projetando-se do solo, terminando em carvão. Duas viaturas policiais ainda estavam no lugar. O encontro era em uma cena de crime.
Sua presença foi apontada pelos presentes com os indicadores e polegares, os murmúrios e cochichos de costume. Sem cerimônia, passou cerca adentro para encontrar Correia diante dos escombros da casa. Tinha com o homem um acordo silencioso, mais forte do que uma lei anciã gravada em pedra. Mencionemos apenas que envolvia a então esposa de Correia, um certo sargento da Polícia Militar e uma cova nunca descoberta num dos bosques da orla da cidade.
Apertos de mão foram seguidos de pigarros secos e silêncio, até que uma maca com um saco de cadáver foi empurrada até eles por um dos assistentes de legista. Guerra pegou a luva oferecida por Correia e abriu as abas do saco. Um cadáver carbonizado sorriria para ele, se tivesse dentes.
Torceu o canto da boca. O ex-colega apresentou uma cédula de identidade de bordas chamuscadas. O documento estava em nome de um certo Célio Silva. As sobrancelhas do investigador se ergueram em reconhecimento do nome, e em seguida franziram em incredulidade. Afinal, como acreditar na morte do homem conhecido como “Mutreta”? 


Eduardo Capistrano
Nasceu em Curitiba, Paraná, no ano de 1980. Contista desde 2002, é autor de "Histórias Estranhas" (2007) e "A Quarta Dimensão" (2011).
Saiba mais em http://edcapistrano.blogspot.com

Foca Cruz

Luiz Alberto Cruz, Foca, parnanguara, primeira lembrança na vida foi ver Neil Armstrong numa tv preto e branco andando feito um bobo na lua. Nessa época já existiam dinossauros e os carros de corrida na oficina do lado. O primeiro livro lido foi "Viagem à Lua" de Julio Verne. Ganhou do irmão pintor uma "Rotring" 0.3 aos 10 anos, daí em diante fodeu, pois logo ficou claro de fato que desenhar é como tocar violino em público: ou é muito bom ou da ânsia de vômito. Adam West. Também o do próprio: www.focacruz.wordpress.com

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