Enfim, os braços envolvem seu corpo
delicado. Mas não os meus; não sou eu que sinto sua pele macia ou seus cabelos
sedosos. Eu estava tão perto que os meus lábios poderiam tocá-la, em um beijo
suave. Queria sentir minha face tocando seu corpo naquele momento. Mas não
senti. Nada senti. Devo contentar-me, em meu esconderijo, apenas com seu
perfume. Mas queria mais. Queria sentir seu gosto. E sentiria. Logo.
Enfim, o beijo. Ah, aquela boca rósea,
aqueles lábios carnudos, tocam lábios que não são os meus. Tocam os lábios
dele. Lábios que disseram palavras que não eram dele. Palavras de amor que ele
não sentia, porque o que ele sentia era paixão, era fogo, era gula. As palavras
eram minhas. Eram minhas a angústia e a fome! A necessidade de sentí-la, de
envolvê-la, de possuí-la. Eu as sentia plenamente, sempre que a via, e cobiçava
sua proximidade, e imaginava prazeres insanos enroscando-me em seu corpo,
tomando conta dele.
Para meu irmão era impossível tecer as
palavras, articular sentimentos que fariam ela se abrir. Para mim era como
descrever minha própria casa ou a mim próprio, algo tão familiar como o furor
de querer vê-la, igual ao de vê-la, igual ao de não querer deixá-la ir. E foram
as minhas palavras que pavimentaram o caminho para aquele abraço, para aquele
beijo, para ela e meu irmão seguirem de braços dados, apaixonados, acalentados
pela emoção, embriagados pela antecipação da entrega de um corpo ao outro, para
a carne que se satisfaz só com ela mesma.
Mas eu estava lá, desde que eu eu meu irmão
a víamos, e eu suspirava, arrebatado por sua beleza e graça, e meu irmão se
afobava em impulsos viscerais que em seu arremedo de espírito eram o que mais
se aproximavam de admiração. Eu estava lá para tentar dissuadí-lo, em meu ciúme
platônico, e falhar, para minha desgraça. Para então sugerir as primeiras
pequenas palavras, e depois outras tantas palavras e frases e canções e poemas
e gestos e presentes. Eu sempre estive perto, a ponto dela quase ouvir meus
galanteios sussurrados, antes de ouvir os mesmos pela voz de meu irmão. Eu
tinha que estar, para moldar aquela paródia do que eu próprio sentia em algo
realmente meu.
E lá eu estava. Caminhando com eles para
a consumação do que apelidaram de amor. Subindo as escadas para a realização, a
libertação um no outro. A porta se fechou atrás deles. Os corpos se envolveram,
as bocas se encontraram. Ele fez menção de apagar as luzes. Ela o impediu.
Queria presentear-lhe sua nudez e o fez, removendo as roupas lenta e
sensualmente. Ela terminou deitando seu lindo corpo na cama. Ele fez nova
menção de apagar as luzes. Ela, de novo, o impediu. Queria que lhe devolvesse o
presente.
Sob esse pretexto, meu irmão colocou-se
diante da porta. Sutilmente a trancou, e em seguida removeu os sapatos, o
cinto, a calça, dirigindo-se à cama. Ela pediu para ver tudo. Ele abriu os
primeiros botões. Eu, enfim, a veria sem obstrução, não através da fresta dos
botões ou do pano da camisa. Assim como ela me veria. O rosto demoníaco no
peito de meu irmão.
Ela gritou. Não compreendia que eu a
queria, que eu a desejava, que eu precisava dela mais do que tudo? Estivera até
então disposta a satisfazer com sua carne quem a seduzira. Era o que faria.
Como as outras.
Eduardo Capistrano
Nasceu em Curitiba, Paraná, no ano de 1980.
Contista desde 2002, é autor de "Histórias Estranhas" (2007) e "A Quarta Dimensão" (2011).Saiba mais em http://edcapistrano.blogspot.com
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