Texto: Mel Ferreira
Ilustração: Júlio Vieira
Você
não faria isso.
O que?
Solte...
Você gosta?
Você
não faria isso.
O que?!
Aperte
de novo.
Você gosta?
Você
nem teria coragem.
De que? (Risos insinuando algo.)
Está
quase me cortando, sabia?
Você não gosta?
É
que você não faria isso mesmo.
O que?
Com
aquele machado.
Isso?
Esse.
Posso segurar seu braço?
Não
faria isso...
O que?
Mais
firme! (Pausa) E se eu te pedisse para abrir minha blusa?
Eu faria isso?
Você
é covarde. Aquela faca esquentando no fogão...
Eu faria isso?
Você
é covarde.
(Ele rasga sua blusa).
Entregue.
Não, pegue você.
(Ela tenta. Seus braços friccionam entre
a cadeira e a corda que os prendem. Um vergão especialmente no pulso.)
Dá.
Você quer a faca?
Você
não me cortaria.
Arranco seus dedos com canivete se você
alcançar a faca esquentando no fogão.
(Um grito com os dentes cerrados.) Eu quero!
O que?
Corta.
A corda?
Meu
braço!
Eu faria isso?
Você
é covarde. Arranque meu braço!
Quer mesmo?
O
aquecedor.
O que tem ele?
Encoste
aqui na minha bochecha.
(Ele pára na frente dela. Olham-se
fixamente.)
Não. (Diz devagar)
Aquele
liquidificador... Nos meus cabelos... (Ela lacrimeja.)
Não.
Então
me solte que eu vou pular!
Da janela? Está trancada.
Coloque
veneno no meu olho? (Quase
fazendo manha)
(Ele implacável.) Não.
Beije
minha boca.
(Imóvel. Frio. Nenhum sinal de expressão
no rosto dele.)
Estou
grávida.
Parabéns.
Vai!
Agora pegue um pedaço da minha orelha e jante.
(Silêncio.)
(Ele se levanta. Tira a faca quente do
fogão. Deixa ao lado da cabeceira.)
Não
alcanço!
(Berra.)
(Ele pega o aquecedor ligado. Coloca perto
das costas dela.)
Por
favor, encoste!
(Desespero.)
(Ele toma o alicate nas mãos e crava no
cachorro.)
É minha vez!
É minha vez!
(Ele tira uma chave do bolso. E sai.)
Ps.
Volte ao início.
Mel Ferreira
Publica outros contos e narrativas em seu blog: eternoseefemeros.wordpress.com
Júlio Vieira
Publica suas criações no blog: juliovieira.blogspot.com
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