Conto: Luiz Bras
Ilustração: André Ducci
Somos jovens. Somos voluntários.
Estamos numa sala branca com uma cama no centro.
Estamos nus, deitados na cama branca da sala branca.
O chefe da equipe de engenheiros pede que eu beije minha
namorada.
Eu sinto minha língua tocando a dela. Então começo a sentir
minha língua tocando minha própria língua. É engraçado.
O chefe da equipe de engenheiros pede que façamos sexo.
Eu começo abraçando minha namorada. É como se eu abraçasse
outra pessoa e ao mesmo tempo me abraçasse. É como se eu penetrasse outra
pessoa e ao mesmo tempo me penetrasse.
Eu gozo.
Minha namorada goza comigo. O meu gozo é também o seu gozo.
No dia seguinte a sala branca está vazia, tiraram a cama
branca.
Eu e minha namorada temos companhia: dois outros casais.
Todos nus.
Somos jovens. Somos voluntários.
A equipe de engenheiros traz uma mesa e seis cadeiras.
Passamos a tarde jogando cartas.
Jogo insólito. Meus olhos veem minhas cartas e as cartas dos
meus colegas de experiência. Eu vejo tudo pelos meus olhos e pelos olhos dos
outros e os outros veem tudo pelos próprios olhos e pelos olhos dos colegas de
experiência.
No dia seguinte não encontramos o engenheiro-chefe nem sua
equipe.
O prédio está branco e vazio.
Foram embora e levaram com eles todo o equipamento branco.
Menos os seis implantes neurológicos: um em cada um de nós.
Não há água nem comida. As portas e as janelas foram
lacradas.
Sede. Fome.
No dia seguinte um de nós urina num copinho de plástico e
bebe a própria urina.
Sinto a boca cheia. Todos nós sentimos a boca cheia.
Engolimos. Não é tão ruim quanto parece.
No dia seguinte minha namorada morde meu antebraço. Eu sinto
a dor da mordida e a sensação de estar mordendo. Todos os seis sentimos a mesma
coisa.
Minha namorada não consegue parar de morder e ser mordida.
Eu soco seu queixo e recebo na hora meu próprio soco.
Sinto meus dedos tentando abrir meu couro cabeludo. Não são
meus dedos, não é realmente meu couro cabeludo. Um de nós, muito desesperado,
está tentando tirar o próprio implante.
Um de nós chora e todos nós choramos.
Somos jovens. Somos voluntários.
Um de nós encontra uma faca numa gaveta qualquer.
Sinto a lâmina penetrar meu abdome. Todos os seis sentimos a
mesma coisa. Somos o assassino e a vítima.
O vermelho tinge o branco, o branco tinge minhas retinas,
nossas retinas, eu perco a consciência, todos nós perdemos a consciência.
No dia seguinte chegam novos voluntários, todos jovens.
Luiz Bras
Nasceu em 1968, em Cobra Norato, MS. Sempre morou no terceiro planeta do sistema solar. É de leão e, no horóscopo chinês, cavalo. Na infância ouvia vozes misteriosas que lhe contavam histórias secretas. Adora filmes de animação, histórias em quadrinhos e gatos. Acredita em telepatia e universos paralelos.
Já publicou diversos livros, entre eles a coletânea de contos Paraíso líquido, a coletânea de crônicas Muitas peles, os romances juvenis Sonho, sombras e super-heróis e Babel Hotel e, em parceria com Tereza Yamashita, os infantis A menina vermelha, A última guerra e Dias incríveis.
Mantém uma página mensal no jornal Rascunho, de Curitiba, intitulada Ruído Branco. Também mantém o blogue Cobra Norato: luizbras.wordpress.com
Já publicou diversos livros, entre eles a coletânea de contos Paraíso líquido, a coletânea de crônicas Muitas peles, os romances juvenis Sonho, sombras e super-heróis e Babel Hotel e, em parceria com Tereza Yamashita, os infantis A menina vermelha, A última guerra e Dias incríveis.
Mantém uma página mensal no jornal Rascunho, de Curitiba, intitulada Ruído Branco. Também mantém o blogue Cobra Norato: luizbras.wordpress.com
André Ducci
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